A revolução criativa da publicidade da década de 60

Roberto Menna Barreto tinha 21 anos quando ingressou, em 1957, como redator na J. Walter Thompson, maior agência do Brasil. “Na época, a redação da Thompson era formada por três pessoas: Orígenes Lessa, o escritor, um segundo redator e eu. Lessa era um dos ‘monstros sagrados’ da Thompson (e da Propaganda brasileira).” (Barreto, 1982, p. 17).

A relação do jovem redator com o escritor Orígenes Lessa ilustra a composição dos departamentos de criação das agências brasileiras até este momento. Segundo Barreto, Orígenes Lessa fazia apenas as principais campanhas da agência, redigindo cinco ou seis anúncios por mês. O resto do tempo investia em sua carreira literária, escrevendo contos, livros, colaborações, correspondências. Palavras de Orígenes Lessa: “- Propaganda serve, sabe para quê? Para se ganhar dinheiro mais fácil! Para se ter tempo! Tempo de escrever, de ler, tempo de produzir coisa séria!” (Barreto, 1982, p. 21).

Machado de Assis alugou seu talento para a redação publicitária, assim como Luis Fernando Verissimo, Ricardo Ramos, Roberto Drummond e outros escritores brasileiros. A indústria da propaganda no Brasil nasce e cresce, basicamente até a década de 60, numa conjugação entre arte e propaganda. Do texto, cuidavam escritores e poetas, das ilustrações, artistas plásticos. “Em 1908, é realizado um concurso (possivelmente o primeiro) de cartazes publicitários, com a utilização de poesias, para o Bromilum, xarope contra tosse. Participa dele, entre outros poetas conhecidos, Olavo Bilac.” (Marcondes, 2002, p. 16). 

À medida que as agências de propaganda evoluem, contratam profissionais especializados para seus diversos departamentos. Em 1930, entra no Brasil a primeira agência norte-americana, a Ayer, seguida da J. W. Thompson. As agências trazem o modelo de departamentalização dos Estados Unidos, o departamento de criação, por exemplo, é formado por redatores e diretores de arte que ainda trabalhavam separados. 

Segundo Marcondes (2002), a atividade no Brasil é embrionária e sofre com as diversas turbulências do período: a crise de 1929, a revolução getulista de 1930 e a Segunda Guerra Mundial entre 1939-1945. Na década de 50, o surgimento da TV começa a mudar o cenário, atraindo anunciantes de peso para esta mídia absolutamente fascinante. 

“O outro fator importante foi que, definitivamente, a indústria brasileira entra na década de 1950 numa acirrada fase de competição, sem registro na história comercial do país. As mensagens publicitárias tiveram, até ali, a função básica de informar a existência deste ou daquele produto ou serviço, algumas de suas vantagens e seus benefícios. Mas a partir daquele momento, tratava-se de brigar por fatias de mercado e, diretamente, pela preferência do consumidor, que passa a ter a sua disposição várias marcas de um mesmo tipo de produto para escolher nas gôndolas dos supermercados (que chegam ao Brasil em 1953).” (Marcondes, 2002, p. 32). 

É um período de expansão para a publicidade brasileira. Em 1957, acontece o 1° Congresso Brasileiro de Propaganda, onde são aprovadas as bases do código de ética da profissão, oficializado em 1960. A mídia também passa por um forte crescimento: aparecem as grandes revistas, os jornais incrementam seus parques gráficos, rádio e TV evoluem em tecnologia e, principalmente, na produção de conteúdo. Este cenário é propício aos anunciantes que exigem cada vez mais das agências criatividade, uma linguagem própria, ousadia. Para dar conta de tudo isto, as agências passam a investir em profissionais especializados, publicitários de nome e profissão. 

O nascimento das duplas de criação

Alex Periscinoto tinha 17 anos quando decidiu que queria trabalhar numa agência de publicidade. Até então, apenas um ilustrador amador, “eu adorava desenhar mulheres peladas”, Periscinoto vai ter uma importância decisiva para o desenvolvimento da publicidade brasileira. O publicitário comenta sobre a estrutura das agências no início dos anos 60: 

 “Para começar, a organização das agências era completamente diferente da de hoje em dia. Existia um departamento de arte, onde ficavam as pessoas que desenhavam, ilustravam, faziam letras à mão, produziam layouts. Havia um ensaio rudimentar de departamento de pesquisa. E o resto eram os contatos, a redação, a planificação, a mídia, o rádio, a gravação, o tráfego, a contabilidade. Não existiam profissionais específicos dessas áreas. Eles foram sendo formados pelas agências multinacionais que dominavam o mercado naquela altura: a Thompson, a McCann, a Standard e a Lintas.” (Periscinoto,1995, p. 79).

O descontentamento com esta estrutura fez com que Alex Periscinoto não assumisse o emprego de diretor de arte na Thompson, maior agência do Brasil, na época. “Desisti quando vi, sobre a mesa, que eu deveria ocupar, um pedido de serviço em que, além do briefing, já constavam o título, o texto e a ideia da ilustração que o anúncio deveria ter, tudo anotado pelo redator.” (Periscinoto, 1995, p. 63). 

O publicitário já tinha em mente a estrutura da mitológica agência DDB, de Nova York. Entre os anos 50 e 60, a agência chefiada pelo redator Bill Bernbach é uma das principais responsáveis pela revolução criativa da propaganda mundial. Até este momento, anúncios, comerciais de cinema, rádio e TV se limitavam a descrever as vantagens dos produtos, ilustrados por imponentes imagens dos produtos ou de garotos propaganda. A DDB começa a “demarcar novas trilhas” na criação publicitária, pensando em conceitos, ideias, falando diretamente com o homem comum numa linguagem simples e direta, deixando os atributos do produto em segundo plano. A propaganda começa a valorizar estilo de vida, anseios, desejos. A mais icônica de todas as campanhas deste período, até hoje a mais famosa de todos os tempos: “Think small”, para o lançamento da Volkswagen nos EUA. Em um mercado dominado por carros grandes, bem ao estilo de vida dos americanos, a DDB teve a ousadia de dizer ao consumidor para pensar pequeno e comprar um Volks. Mas o próprio sistema de trabalho da agência era inovador, contrário aos padrões das grandes agências da Madison Avenue. 

“De maneira muito incomum para a época, Bernbach trabalhava em dupla com Rand, seu texto vigoroso tornando as imagens do diretor de arte duplamente eficazes. Foi o nascimento da “dupla de criação”. Nas pesadas agências tradicionais, redatores e diretores de arte ainda trabalhavam em departamentos separados – muitas vezes em andares diferentes, tentando valentemente juntar imagens e palavras com pouca ou nenhuma discussão. Mas Rand e Bernbach desenvolviam conceitos juntos desde o começo. Quando Bernbach abriu sua agência, foi nessa base: redatores e diretores de arte trabalhando lado a lado.” (Tungate, 2009, p. 69). 

Alex Periscinoto conheceu esta estrutura em uma visita que fez à DDB. Quando assumiu a direção de criação da Almap, nos anos 60, começou a implantar no Brasil o sistema de duplas. Em pouco tempo, as demais agências copiavam o modelo, consagrado ainda hoje como um dos melhores formatos em termos de estímulo e desenvolvimento da criatividade publicitária. “Para a propaganda, os frutos dessa nova conformação viriam em breve, na forma de maior qualidade da mensagem final, maior afinação entre textos, conceitos e imagens, maior investimento e originalidade em tudo.” (Marcondes, 2002, p. 43). 

O crescimento da indústria publicitária apoiado pela revolução criativa

A sociedade dos anos 60 é particularmente revolucionária: a tecnologia acelera as mudanças na área da comunicação; a chegada do homem à lua aponta para a quebra de limites; a pílula anticoncepcional provoca a revolução sexual; a cultura pop domina o cinema, a música, as artes plásticas; a industrialização acelerada induz o incentivo sem precedentes ao consumo, à ostentação de novos estilos de vida. “Enfim, o mundo engatou uma segunda, deixando para trás a velocidade de cruzeiro em que viajava até ali.” (Marcondes, 2002, p. 39). 

A publicidade brasileira deste período, inserida já nos contextos de crescimento da indústria e da revolução criativa, acompanha as mudanças buscando estéticas inovadoras. Marcondes aponta que a linguagem gráfica dos anos 1960 é a sobreposição de imagens aparentemente sem nexo.

Carrascoza (1999) enumera as mudanças significativas da propaganda brasileira no período: 

“Concepção e produção das campanhas subordinadas pelas exigências  da TV; maior participação das agências nacionais no bolo publicitário; fundação da Associação Brasileira de Anunciantes, que aos poucos passou a incrementar as áreas de pesquisa e controles de mídia; mudança no sistema de remuneração das agências de 17,65% concedidos pelos veículos para 20%, com a Lei n. 4.680; lançamento de uma rede nacional de telecomunicações por meio da Embratel; criação do instituto Verificador de Circulação; crescimento do jornalismo especializado, proliferação de revistas de associações, e a criação de escolas de comunicação onde se incluía o ensino da propaganda.” (Carrascoza, 1999, p. 104).  

A década é marcada por um dos episódios mais conturbados da história brasileira. O golpe militar de 1964 influi decisivamente na publicidade brasileira, pois os militares no poder passam a usar as diversas mídias em seu projeto de difundir a ideologia dominante. “O ufanismo nacionalista, a ideologia progressista, a busca pela criação de um sentimento pátrio profundo são temas e conceitos aos quais a propaganda vai aderir, mais ou menos, dependendo da ocasião, da importância política do interlocutor ou do tamanho da verba do anunciante.” (Marcondes, 2002, p. 41).

A gigantesca estrutura do governo federal, centralizada em Brasília, passa a ser o maior anunciante do país. O investimento vultoso das diversas esferas governamentais, incluindo bancos e empresas estatais, provoca o crescimento acelerado dos meios de comunicação e de agências de publicidade. A TV brasileira se aproveita desta política de expansão para dominar o mercado midiático. 

Para as agências, o advento do VT transforma a linguagem dos comerciais. Até o final dos anos 50, a propaganda de TV era feita ao vivo, na frente das câmeras, com apresentadores e modelos “lendo” as mensagens diretamente para o público. A possibilidade de se gravar comerciais inaugura um novo processo na criação publicitária, duplas de criação podem agora elaborar roteiros, encenar, editar as histórias com o auxílio de diretores de cinema e TV. Datam deste período algumas campanhas memoráveis da publicidade televisiva brasileira, como o filme animado das Casas Pernambucanas, veiculado em 1962, ao som do jingle “não adianta bater/eu não deixo você entrar/as casas pernambucanas/é que vão aquecer o meu lar”. 

“Produzida pela Lynxfilm, a peça original fez especial sucesso entre as crianças. O roteiro é literal: o frio, estilizado como um monstro feito de neve, bate à porta de uma casa de família. A dona do lar pergunta “Quem bate?” e ouve a resposta “É o frio”. Nesse momento, ela começa a cantar o jingle. Enquanto isso, o logotipo da empresa envolve e esmaga o monstro – que, é claro, fica da porta para fora.” (AUGUSTO, 2007, p.23). 

Segundo Carrascoza (1999) a principal mudança da propaganda brasileira a partir deste período acontece no terreno da criatividade. A propaganda com conceito, o texto e layout trabalhando em harmonia para transmitir idéias concebidas pelas duplas de criação, passam a ditar os rumos. A propaganda racional perde força, o emprego de fotos produzidas especialmente para os layouts praticamente elimina as ilustrações, o tom coloquial nos textos começa a definir uma linguagem própria para a propaganda brasileira. “Enquanto o país se afundava na ditadura militar, a publicidade nacional vivia a grande revolução de sua linguagem.” (Carrascoza, 1999, p. 106). 

O desenvolvimento dos meios de comunicações, particularmente da TV que passa a imperar quase soberana; o crescimento das agências de publicidade, algumas se transformando em grandes corporações empresariais; o surgimento e consolidação das escolas de propaganda; o predomínio nas agências de profissionais especializados, com formação voltada para as áreas inerentes à publicidade; a revolução criativa em conceitos e linguagem. Marcas dos anos 60 que vão preparar a publicidade brasileira para a grande explosão criativa das duas décadas seguintes, consideradas a era de ouro da propaganda do Brasil. 

A década de 70 começa com um fato singular, anedótico, quase um divisor de águas nesta história marcada pelo arroubo de jovens apaixonados pela propaganda. Em uma manhã de 1971, o pneu de um Karmann-Ghia vermelho furou em frente a HGP – Publicidade. O motorista, 19 anos, bateu na porta em busca de ajuda, mas, num arroubo, pediu emprego. Quase sem reação diante do pedido inusitado, o dono da agência atendeu ao jovem. “Menos de dois anos depois, o tipo colorido e extravagante que a pequena Harding Gimenez Publicidade acabara de acolher, então um medíocre e desinteressante estudante de comunicação, seria celebrado como um dos papas da propaganda no Brasil. Seu nome: Washington Olivetto.” (Morais, 2005, p. 47). 

Mas como diria o personagem Moustache, no final do filme Irma la douce (EUA, 1963), de Billy Wilder, isto é uma outra história. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUGUSTO, Regina (editora). Campanhas inesquecíveis. Propaganda que fez história no Brasil. São Paulo: Editora Meio&Mensagem, 2007

BARRETO, Roberto Menna. Criatividade em propaganda. São Paulo: Summus, 1982

CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo: Futura, 1999. 

MARCONDES, Pyr. Uma história da propaganda brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002

MORAIS, Fernando. Na toca dos leões. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005

PERISCINOTO, Alex. Mais vale o que se aprende que o que te ensinam. São Paulo: Editora Best Seller, 1995 

TUNGATE, Mark. A história da propaganda mundial. São Paulo: Cultrix, 2009

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