A noite do iguana

A noite do iguana (Night of the iguana, EUA, 1964), de John Huston. A história se passa no calor do México. Ou no calor que os estrangeiros sentem ao chegar ao México. Richard Burton é Lawrence Shannon, ex-pastor alcoólatra. Ele foi expulso de sua paróquia devido a outro vício: seduzir as jovens da comunidade. Para ganhar a vida, Shannon trabalha como guia turístico, cuidando de uma excursão integrada por professoras idosas. A exceção é Charlott Goodall (Sue Lyon, a Lolita do filme de Kubrick), jovem ninfomaníaca que tenta – e consegue – seduzir o pastor. O caso é descoberto pela líder das professoras que ameaça processar Shannon. Para tentar escapar, ele leva todo o grupo para um pequeno hotel à beira-mar, cuja proprietária é sua amiga Maxine Faulk (Ava Gardner). É nessa noite que o filme ganha os contornos tensos do autor famoso por retratar as obsessões e frustrações da sociedade. A Noite do Iguana é baseado em peça teatral de Tennessee Williams.

A personagem de Ava Gardner, dona do hotel, acabara de ficar viúva. Antes do marido morrer, ela “adotara”, com a complacência do marido, dois garotos de praia. O quadro de personagens se completa com a pintora Hannah Jelkes (Deborah Kerr), solteira de meia idade que viaja com seu avô, poeta de mais de 90 anos de idade que não consegue mais escrever.

Quando o grupo de professoras deixa o hotel, a tensão explode entre o trio de protagonistas. O que esperar de Richard Burton, Ava Gardner e Deborah Kerr nas mãos do diretor John Huston, interpretando um texto de Tennessee Williams: um filme de deixar o espectador entregue às reminiscências, desejos, obsessões, frustrações, ou seja lá o que for que nos transforma nesse poço de complexidade.

Em uma das cenas mais bonitas do filme, Ava Gardner toma banho de mar no início da noite, vestida de calças compridas e blusa branca. Ela sai do mar e se entrega a uma dança erótica com seus dois garotos de praia, semi-nus. Os três se misturam aos beijos e afagos, ela beija um deles na boca, volta-se, beija o outro. Estamos em 1964, o filme é americano. Não tinha saída: A Noite do Iguana foi criticado, amaldiçoado e quase banido. A sociedade americana não gosta de se ver assim no cinema, tão sem pudor. Não é o caso de Tennessee Williams que tinha prazer em expor e provocar as hipocrisias. Ele é autor de outro texto na mesma linha, transformado em filme antológico por Elia Kazan: Um Bonde Chamado Desejo.

Enquanto o trio dança na praia, Richard Burton está na varanda do hotel, amarrado à rede com cordas da cabeça aos pés para reprimir seus instintos sexuais suicidas. Deborah Kerr, que leva uma vida de abstinência amorosa, trava com ele diálogo repleto de metáforas e provocações, revelando, num jogo primoroso de interpretação, a temática central da história: a frustração, o medo de se entregar de corpo e alma aos desejos, ao amor, à paixão, ao romance, aos instintos.

E se você quer mais um motivo para perder de vez o sono, preste atenção na cena em que o velho poeta, interpretado por Cyril Delevanti, termina e declama seu derradeiro poema. E agradeça a Tennessee Williams e John Huston por esse texto/filme inesquecível.

Poema declamado pelo velho poeta em A noite do iguana.

Com que calma o ramo de oliva
Vê a tarde ficar menos viva
Nenhuma súplica ou ruído
Seu desespero não é sentido
Um dia será essa luz tolhida
E então o zênite da vida
Terá passado e em tal momento
Começará um segundo alento
Crônica já não mais dourada
De mofo e névoa pontilhada
E enfim se parte, então, a rama
E o fruto ao solo se derrama
Num intercâmbio inadequado
Para um matiz que é tão dourado
Pairar tal verde deveria
Por sobre a terra obscena e fria
Porém, madura, a fruta altiva
Vê a tarde ficar menos viva
Nenhuma súplica ou ruído
Seu desespero não é sentido
Coragem. Você não poderia
Fazer sua outra moradia
Não só no ramo tão dourado
Mas em meu coração assustado?

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