O pai e a mãe acordaram os filhos de madrugada. Traziam a expressão de novidade e fascínio. Andamos até a rua de cima. Vários amigos já estavam aguardando, alguns com colchas e cobertores nas costas. Não me lembro exatamente o ano, foi no início da década de 70, e nem mesmo o cometa que procurávamos. Lembro-me de crianças e adultos na madrugada olhando para o céu.
A mesma cena de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg. Pessoas sentadas na estrada à noite. As espaçonaves passam num jogo de luzes e cores e desaparecem na escuridão. Spielberg começava a mostrar o seu fascínio por mundos e seres desconhecidos que habitam a mente das crianças. O final de Contatos Imediatos do Terceiro Grau representa o imaginário de quem sempre vasculhou o universo a procura de objetos não identificados. As notas musicais, as pequenas espaçonaves dançando no céu, a gigantesca nave flutuando sobre a terra, o deslumbramento no olhar de François Truffaut (nesse momento, creio, é o próprio Truffaut e não o cientista que ele interpreta). Cenas inesquecíveis de um filme carregado de otimismo e esperança.
Em E.T., o Extraterrestre (1982), Spielberg mostrou a saída para o medo e a intolerância que dominam o mundo adulto: o olhar das crianças. O filme é das fábulas mais ternas de todos os tempos. Duas crianças de mundos diferentes, quase incomunicáveis, evoluem da estranheza para a amizade. As cenas são mostradas sob o ponto de vista das crianças. E. T. combate a ideologia alardeada pelos antigos filmes de ficção científica produzidos no auge da guerra fria entre EUA e URSS que sempre colocavam os alienígenas como ameaça, o invasor.
No filme de Spielberg, a ameaça vem dos adultos. Na cena da perseguição, as crianças fogem de bicicleta dos carros da polícia que chega a fazer um cerco à mão armada aos fugitivos. Na edição comemorativa de vinte anos do filme, Spielberg substituiu, usando recursos digitais, as armas dos policiais por walkie-talkies. Achava a violência das armas exagero num filme carregado de lirismo.
Lirismo que vem da infância do diretor. A bicicleta de Elliot voando na noite e passando em frente à lua é bela referência a Peter Pan. O roteiro de Melissa Mathison e a direção mágica de Spielberg reservaram um final capaz de comover o mais empedernido espectador. Impossível não deixar a lágrima correr na hora do abraço do E. T. em Elliot. No meu caso, algumas lágrimas a mais, carregadas de lembranças: o filme termina com crianças e adultos olhando para o céu.