
A denominação é expressiva: diretor de cinema. Quando o redator entra em reunião de pré-produção para discutir o roteiro do comercial, que em alguns casos mais parece uma sinopse, espera várias coisas do diretor de cinema: definição de planos e movimentos de câmera, soluções criativas de edição, boa direção de atores, determinar o tempo exato de cada cena para a história ser contada em tempo curtíssimo, criar os efeitos sonoros que o redator não consegue explicar direito no roteiro. Mas o diretor sempre tem ideias a acrescentar ao roteiro.
As ideias podem ser bem-vindas e ajudar cenas que ficaram mal-resolvidas ou podem, no final das contas, transformar o comercial em um filme do diretor. Na propaganda brasileira, há uma história emblemática que ilustra essa difícil relação entre criação e diretor de cinema. Relação muitas vezes alimentada por egos.
Em 1988, a W/GGK (a W/Brasil de Washington Olivetto) criou e produziu o famoso e premiado filme “Hitler” para a Folha de S. Paulo. Em linhas gerais, o roteiro original de Nizan Guanaes descrevia:
“Uma mão invisível iria riscando os primeiros traços numa tela de vidro. O espectador não veria a mão, só o que ela desenhava. A um dado momento perceberia no desenho um rosto de homem, ainda não identificável. À medida que os traços ganhassem forma, uma voz em off diria frases como ‘este homem salvou seu país, deu emprego para milhões de seus compatriotas’, num rol de virtudes que só se encerraria quando o espectador percebesse de quem era o rosto do desenho: Adolf Hitler.”
Gabriel Zellmeister, diretor de criação da agência, não gostou muito da mão invisível e pediu outra solução ao diretor do filme, Andrés Bukowinski. O diretor propôs trocar a mão invisível por outro recurso:
“À medida que a locução avançasse, a câmera iria recuando vagarosamente e permitindo que o espectador percebesse que se tratasse de uma retícula, o minúsculo pontilhado de que se compõe uma foto de jornal. O recuo da câmera seria articulado com a leitura do texto, para coincidir o fim das ‘realizações’ com a identificação do rosto de Hitler.”
Esta história está no livro sobre a W/Brasil, Na toca dos leões, escrito por Fernando Morais. Segundo o autor, “Nizan esperneou, disse que não, que a ideia original era dele e tinha que ser respeitada. Para ele, o papel de Bukowinski era dirigir um roteiro que estava pronto, e não criar outro. Foi preciso que Washington e Gabriel interviessem – para desolação de Nizan, a favor da versão de Bukowinski.”
O filme demonstra que prevaleceu a ideia do diretor: um pequeno ponto preto aparece na TV, à medida que a câmera se afasta aparecem centenas de outros pontos pretos até formarem a imagem da fotografia de Hitler. Uma fotografia de jornal. Enquanto a câmera recua, o espectador ouve o famoso texto de Nizan Guanaes: “este homem pegou uma nação destruída. Recuperou sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo…”
A polêmica mostra que existem filosofias de trabalhos distintas entre profissionais de criação para escrever roteiros. Alguns redatores dão mais liberdade ao diretor de cinema para improvisar em cima do roteiro. Outros não. Quando montou sua própria agência, a DM9, Nizan Guanaes difundiu entre seus redatores: os roteiros devem conter todos os planos, movimentos de câmera, soluções visuais, devem ser decupados, cada cena contada em detalhes. O diretor não pode interferir no roteiro. Deve simplesmente filmá-lo.
A maioria das agências de propaganda prefere trabalhar com roteiro simplificado, no qual se conta basicamente a história. Nesse caso, o diretor tem participação mais efetiva, pois é responsável pela escolha da linguagem de cinema.
Posições diferentes, métodos de trabalho diferentes que levam criativos ao dilema quando se deparam com novas ideias em cima de seu roteiro: até que ponto o diretor pode interferir?
Referência: Na toca dos leões. Fernando Morais. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005