
Ivan, o Terrível é mais uma brilhante edição da Versátil, lançada na Coleção Folha Grandes Biografias do Cinema. A obra inacabada do diretor está dividida em duas partes, a terceira não foi filmada, pois Eisenstein faleceu de ataque cardíaco. O diretor foi encontrado morto em sua mesa de trabalho junto com anotações sobre as experimentações que estava fazendo com o uso da cor no filme.
A narrativa versa sobre o reinado do primeiro tsar da Rússia, Ivan Vassílievitch (1530/1584), conhecido como Ivan, o Terrível.
“Historiadores já assinalaram que tal epíteto foi produto do romantismo posterior, não do século 16, que ele não foi adotado nem pelos mais encarniçados adversários do monarca e que, na língua russa da época a palavra grozny (que hoje traduzimos por terrível) queria dizer ‘assombroso’, e até carregava conotações positivas. O fato é que, ao fim de seu longo e marcante reinado, a Rússia se afirma como Estado centralizado e poder imperial em franca expansão.” – Irineu Franco Perpetuo.
Eisenstein faz uma opção teatral na representação da história. Grande parte das três horas de duração do filme se passa em ambiente fechado, ora em espaços restritos, como quartos e corredores, ora em espaçosas dependências, como salas de reuniões e de jantares. A representação caricatural dos atores se afirma em vários momentos, com discursos e expressões próximas do grande palco. No entanto, a força do filme está nos ângulos de câmera e composições visuais próximas do expressionismo alemão. São recorrentes os grandes closes nos rostos de personagens em situações de espreita, de maquinações políticas, de assombro ou terror. Sombras projetadas nas paredes evidenciam o tom opressivo, quase fantasmagórico da trama (a exemplo do Macbeth, de Orson Welles).
“Esta extravagância em duas partes de Eisenstein sobre os males da tirania é, obviamente, uma obra magnífica, e impõe seu estilo ao espectador, mas tão despida de dimensões humanas que a vemos com uma espécie de indignação. Claro, cada fotograma é sensacional – uma brilhante coletânea de fotos de cena -, mas como filme é estático, grandioso, e frequentemente ridículo, com uma fotografia elaboradamente angulada, supercomposta, e atores supertensos, rolando os olhos, a deslizar pelas paredes, as sombras se arrastando atrás. (…) O filme é operístico – e ópera sem cantores é uma coisa esquisita. Algo de monumental parece estar para nos ser comunicado em cada grande composição estática. Arrasador em estilo, o filme é como um gigantesco mural expressionista. As figuras assemelham-se a aranhas e roedores gigantes: como na ficção científica, parece ter havido mutações. (…) Sob certos aspectos, o filme está perto do gênero de horror. É tão misterioso para os olhos e a mente americanos como o teatro kabuki, a que tem sido muitas vezes comparado.” – Pauline Kael
Ivan, o Terrível (Ivan Groznyy, URSS, 1945 e 1958), de Sergei Eisenstein. Com Nikolai Cherkasov (Ivan), Lyudmila Tselikovskaya (Anastácia), Serafima Birman (Efrosina), Mikhail Nazvanov (Andrei Kúrbski).
Referência: Ivan, o Terrível: um filme inspirado na vida de Ivan, o Terrível. Coleção Folha Grandes Biografias no Cinema. Cassio Starling Carlos, Pedro Maciel Guimarães, Irineu Franco Perpetuo. São Paulo: Folha de S.Paulo, 2016.