Os embalos de sábado à noite

Lembro-me de jovens levantando no meio da sessão do filme para pentear os cabelos para trás, ajeitando-os com as mãos. Lembro-me de casais reproduzindo os passos – meticulosamente ensaiados em casa, em frente ao espelho – nas festas adolescentes. Lembro-me de gente se espremendo nas portas das discotecas e depois soltando braços e pernas sob as luzes estroboscópicas nas pistas de dança como se nada mais importasse. “Os embalos de sábado à noite era o filme favorito de Gene Siskel, que o assistiu pelo menos 17 vezes. Todos nós temos filmes assim, títulos que transcendem as categorias de bom ou ruim e penetram direto em nossos corações.” – Roger Ebert. 

Devo estar perto desta marca ao assistir novamente ao filme. Poderia buscar mil explicações para o fascínio por um filme com muitos defeitos, que parece envelhecido e ingênuo. Um filme com cena de homofobia e diálogos racistas (o diretor se justifica dizendo que no Brooklyn todo mundo era assim e a cena do concurso de dança redime o personagem principal do preconceito). Um filme com músicas que morreram com a época, cujos discos foram, inclusive, queimados por radicais aos gritos de “eu odeio a música disco”. É preciso pensar um pouco antes de assumir com coragem que você um dia gostou dos Bee Gees. Mais ainda, que um dia você usou camisa de poliéster, calça boca de sino e sapato de três andares.

É onde está a magia de Os embalos de sábado à noite. Para entender ou gostar da década de 70 é preciso tê-la vivido. Na época, turmas de adolescentes andavam à noite pelo bairro em busca de aventuras que poderiam resultar em confrontos. Nas festas regadas a disco, sedução estava associada a passos de dança eróticos que oscilavam entre o grotesco e o sensual. Tony Manero era a representação textual dessa geração.

“De certo modo, Tony Manero representou o gênero de adolescência que Gene não teve… As imagens mais duradouras do filme são as alegres cenas em que Tony se pavoneia pela rua, veste-se para sair à noite, domina a pista da discoteca em um solo de dança… O filme tem muita tristeza e dor, mas depois de alguns anos só nos lembramos de Travolta dançando na pista, vestido naquele clássico terno branco de discoteca e a trilha sonora dos Bee Gees.” – Roger Ebert. 

John Travolta interpreta um personagem confuso, doce e inseguro. Um jovem de 19 anos cujo mundo se resume à pista de discoteca, a noitadas com amigos que o admiram e obedecem e a “trepadas” em bancos traseiros de carros. Quando acorda de manhã, se defronta com seu mundo verdadeiro. A família em conflito permanente. O emprego de bairro sem perspectivas. A impossibilidade de se relacionar amorosamente com a amiga. Stephanie (Karen Lynn Gorney) joga em sua cara: “Você vive com seus pais, sai com seus amigos e nos sábados à noite queima tudo na Odisséia 2001. Você é um clichê. Não é ninguém, não vai dar em nada.” 

“No fundo, grande parte do filme gira em torno da luta de Tony Manero para encontrar um lugar onde ele possa desenvolver seu potencial. Ele tem medo e todo mundo diz isso a ele. O irmão lhe diz isso e os amigos também. Tudo parece dizer  ‘caia fora daqui. Vá tentar a vida em outro lugar.’ Mas ele tem medo. Dá para ver em seus olhos. No entanto, no fim do filme ele dá o grande passo.” – John Badham.

A ponte do Brooklyn concentra as cenas mais fortes, ponto de encontro entre violência, sexo e morte. É o fim da ilusão desta geração que entendia muito pouco do que fazia, do que sentia. Motivado pela tragédia, Tony Manero atravessa a ponte, perambula pela cidade de metrô durante toda a noite até bater à porta de Stephanie, em Manhattan. Ele quer deixar tudo para trás: “Talvez, agora que eu pretendo ficar na cidade possamos nos ver. Sei o que está pensando, mas não é isso. Eu não quero comer você. Quero que sejamos amigos. Disse uma vez que poderíamos nos ajudar.”

“Todos nós possuímos uma forte lembrança da pessoa que éramos no momento em que formulamos uma visão de nossa vida. Tony Manero se situa precisamente nesse momento. Comete erros, se atrapalha, diz coisas erradas, mas, quando faz o que ama, se sente em especial estado de graça. O que Tony sente e faz transcende a fraqueza do filme: estamos certos ao relembrar a arrogância e a beleza de sua dança… Alguns filmes parecem máquinas do tempo: nos levam de volta ao passado.” – Roger Ebert. 

Os embalos de sábado á noite (Saturday night fever, EUA, 1977), de John Badham. Com John Travolta, Karen Lynn Gorney.

Referência:

Grandes filmes. Roger Ebert. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

Extras do DVD.

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