Mais forte que a vingança

“Chamai-me Ismael” é das primeiras frases famosas da literatura universal. É o início de Moby Dick, de Herman Melville. Após se apresentar, Ismael narra que em momentos de tédio, “sempre que a minha alma se transforma num novembro chuvoso… percebo então que chegou a hora de voltar para o mar.” Ismael embarca no navio do Capitão Ahab e acaba envolvido na maior batalha de todos os tempos do homem contra a força da natureza.

Moby Dick influenciou grandes obras da literatura. O escritor inglês Joseph Conrad abordou os limites do homem em livros como  Nostromo, Lord Jim e Coração das trevas. No cinema, Na natureza selvagem (2007), direção de Sean Penn, usou da mesma temática, resultando em uma narrativa bela e espetacular – e aqui vale a ressalva: nas mãos de bons diretores como Sean Penn, a natureza ocupa seu lugar de espetáculo cinematográfico, beleza selvagem frente ao homem diminuto, vencível.

Mais forte que a vingança (Jeremiah Johnson, EUA, 1972), de Sydney Pollack, é outra referência a Moby Dick no cinema. A analogia começa na introdução. O filme abre com plano geral de barco a remo no rio, se aproximando lentamente da margem. Jeremiah Johnson (Robert Redford) desce do barco e,  enquanto caminha, um narrador repete basicamente as palavras do início de Moby Dick. “Seu nome era Jeremiah Johnson. Dizem que ele queria ser um montanhês. A história diz que foi um homem inteligente e aventureiro, próprio para as montanhas. Ninguém sabe de onde ele veio, mas isso não importava muito. (…) Comprou um cavalo e outras coisas necessárias à vida nas montanhas. E disse adeus à vida que tinha lá embaixo. Esta é a sua história”. Enquanto ele cavalga rumo às montanhas rochosas do Colorado, de onde nunca mais sairia, se transformando em uma lenda, começa a tocar a balada Jeremiah Johnson. A letra da música ajuda a definir o perfil do personagem, caracterizando um homem desiludido com a vida, provavelmente traumatizado pela sangrenta guerra civil americana, que recorre ao isolamento das montanhas. Como Ismael, busca refúgio na natureza selvagem.

Sydney Pollack (1934/2008) se baseou na história verídica do lendário ermitão Jeremiah para compor uma apologia ecológica, defesa do estilo de vida dos índios americanos e dos montanheses que usavam os recursos da natureza de forma consciente, tirando dela apenas o necessário para sobreviver. As paisagens do filme são deslumbrantes e ajudam a entender porque alguns poucos aventureiros se arriscam em territórios inóspitos. Gelo, grandes rios, ventos inconstantes, precipícios, estreitos caminhos, animais selvagens, são forças difíceis de vencer. É território dos índios que aprenderam a respeitar os desafios. Jeremiah Johnson conquista o respeito dos índios porque, como eles, passa a entender a natureza.

Até mesmo no lado mais cruel da história, a vingança, o respeito mútuo entre Jeremiah e uma tribos de índios, os Corvos, permanece. Os índios sempre o atacam isoladamente, não em bando, em lutas individuais até a morte, prevalecendo a lei do mais forte, assim como na natureza.

Mais forte que a vingança é um filme lento, contemplativo, pontuado por planos gerais deslumbrantes, minimalista em diálogos. As imagens permitem ao espectador sentir e se encantar de forma lenta com a história. Como o Moby Dick de Melville. Certas narrativas exigem paciência para construir a história, parágrafo a parágrafo, cena a cena, se deparando aos poucos com histórias envolventes, até chegar a finais sublimes da literatura e do cinema.

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