Sinto cheiro de manga ubá. Cheiro doce, cheiro das férias de janeiro da infância. A mãe passeava toda manhã pelo grande quintal da casa do irmão no interior, recolhendo frutas pelo chão, caídas dos quatro, cinco pés de manga. Sentava-se à sombra, fazia um pequeno buraco na casca da manga, espremia com as mãos o suco na boca, um filete amarelo escorrendo pelo canto dos lábios.
Não gosto de manga. Gostava era do cheiro, do prazer nos olhos da mãe. Às vezes, ela fingia me abraçar com as mãos meladas. Eu corria pelo quintal, dividido entre a alegria da fuga e o medo de ser alcançado pelos beijos sujos de manga. Sinto o cheiro do quintal, das galinhas ciscando, do porco escondido em seu chiqueiro lá no fundo, do milho e do café secando no pequeno paiol, do fogão à lenha, de Raquel.
– Essa é Raquel. Ela queria muito te conhecer. – me disse a prima, certa tarde, na porta da casa. Na janela que dava para a rua, eu já a vira passar muitas e muitas vezes do outro lado, nossos olhos se encontrando.
– Oi Raquel. “Você é a menina mais bonita que já conheci em toda a minha vida”. As aspas dizem o que ficou dentro de mim, nesse jogo de linguagem que eu começava a conhecer em pensamento, sem coragem ainda para transformar desejos em palavras.
Nas manhãs de sol, eu acordava cedo e me sentava no coreto da praça principal da cidade, de frente para o sobrado do outro lado da rua, esperando Raquel despertar, abrir a janela e olhar por alguns segundos para a praça. Nas manhãs de chuva, eu ficava na cama, olhos fechados, enxergando o sobrado, a janela, Raquel.
Abro os olhos, Raquel está cada vez mais distante. É como correr pelo quintal, nessa alegre brincadeira dos dias que passam num instante, até se transformarem em lembranças e desejos tardios da infância, da juventude, de ontem.
Sinto cheiro de manga ubá.