Acordei com o verso de Shelley na cabeça, I can give not what men call love. Eram quatro horas da manhã. O ar condicionado esfriara o quarto, apesar do calor de outubro. Tirei os braços de Tânia de meu peito. Levantei-me com cuidado, temendo acordá-la.
– Onde você vai? – ela perguntou ao me ver vestindo a bermuda e a camiseta.
– Pensei em ver o nascer do sol. Vamos? – ela abraçou com força o travesseiro e voltou a dormir.
Sentei-me durante alguns minutos na varanda do quarto, sentindo a brisa do mar. Pensei em ficar por ali mesmo, afinal, todo amanhecer na praia é sempre o mesmo e costuma ter aquela nuvem no horizonte exatamente quando o sol vai aparecer. Caminhei até a praia. Bem longe, à esquerda, enxerguei as luzes da cidade. Imaginei casais voltando de festas, bares, noitadas, casais se beijando, casais se amando entre declarações.
– Você me ama? – estávamos deitados na rede, na varanda do quarto do hotel. Olhávamos o mar, o vento trazia o barulho das ondas, insistente. Tânia voltou a perguntar. – Você me ama?
– Sim.
– Sim? Só isso? – respondi com um beijo delicado, lento, os lábios quase não se tocando.
– Hum. Assim é melhor.
Antes de dormir, resolvi trabalhar um pouco mais na tradução, uma coletânea de poetas ingleses que a editora encomendara. Esbarrei na frase de Shelley. Tânia chegou por trás e me abraçou, o rosto encostado em meu pescoço. Escreveu a lápis, ao lado de minhas anotações, I love you. Tomei o lápis de sua mão e escrevi, logo abaixo, She speaks. O, speak again, bright angel!. Ela sorriu e se despediu com um beijo em meu pescoço, se entregando ao sono. Fiquei ainda um tempo, a tela do notebook aberta, a frase de Shelley parada à minha frente.
O dia começava a clarear. Andei uns cinqüenta metros pela areia, depois voltei para a frente do hotel. Andei para o outro lado, voltei novamente. A praia estava deserta e de repente toda aquela melancolia me pareceu pequena. Daqui a pouco, todos vão acordar. É domingo. Casais de idosos vão caminhar pela praia, um pai vai brincar de futebol com seu filho, um cocker spaniel vai passar latindo para as ondas, namorados vão espalhar protetor solar nas costas das namoradas, crianças vão partir aos berros em direção ao mar, um senhor protegido por seus óculos escuros vai seguir com os olhos as jovens.
Daqui a pouco Tânia vai sair do banho cheirando à manhã. Vai se vestir sem preocupação, pentear os cabelos com vagar em frente ao espelho, calçar os chinelos de borracha e dizer com seu olhar intraduzível:
– Estou pronta.
Daqui a pouco, Tânia e eu vamos sair para o dia e talvez, pelo menos esta manhã, eu possa amá-la um pouco mais.