
Assistir ao filme quando a ameaça da COVID 19 ainda ronda ameaçadora nosso cotidiano torna a trama ainda mais assustadora. Certa noite, no segundo andar de um bar situado nos arredores do cais de Nova Orleans (esses ambientes que o cinema noir eternizou através de luz tênue, sombras, penumbras) um grupo joga pôquer. Um imigrante abandona a mesa, alegando estar passando muito mal e sai trôpego pelas ruas. Blackie, o chefão da região, não admite que ele abandone o jogo, pois está ganhando. Seus capangas saem atrás e, durante a briga, o doente é assassinado.
É também a clássica trama do cinema noir: no submundo dos becos, cais, pocilgas das metrópoles, um assassinato acontece e a polícia, ou detetives, enveredam por estes porões da cidade, onde se defrontam com os habitantes da noite. No entanto, a virada acontece quando o legista examina o corpo. Clinton Reed, médico da marinha, é acionado e comprova o diagnóstico: o imigrante morreria, mesmo sem o tiro fatal, pois contraiu a peste pneumônica.
Acompanhado do policial Tom Warren, o médico tem exatos 48 horas para encontrar os assassinos, que naturalmente já estariam contaminados, e evitar que a doença se espalhe fatalmente por toda Nova Orleans. Uma das novidades do filme é a inversão de papéis. Como o policial não acredita na doença e nem mesmo que este tempo é suficiente para achar “a agulha no palheiro”, o médico assume o posto de investigador, se esgueirando pelos tais antros do cinema noir.
Pânico nas ruas traz uma importante discussão ética. Um repórter acompanha a caminhada de Clinton e dos policiais, tentando desvendar o motivo da caçada, pois toda a polícia de Nova Orleans está envolvida na procura do assassino. No entanto, governo municipal, polícia e, principalmente o médico, tentam esconder do repórter e, por consequência, da população a iminente pandemia. Uma das vítimas da doença, a dona do bar onde o jogo aconteceu, se nega a revelar a identidade de seu primo, que jogava com ele no dia da morte. A mulher morre logo depois, não sabendo da doença, traiu-se a si própria. Na visão da imprensa, se a população sabe da gravidade do caso, ajudaria a encontrar os assassinos. Talvez até mesmo os bandidos se entregassem sabendo da possível contaminação. Na visão dos responsáveis pela investigação, o pânico tomaria conta da cidade, os bandidos fugiriam levando a doença país afora.
Outra doença atingiu o cinema americano poucos anos depois, afetando protagonistas de Pânico nas ruas. O ator Zero Mostel e a atriz Barbara Bel Geddes tiveram seus nomes incluídos na lista negra de Hollywood, após a caça às bruxas empreendida pelo Macarthismo, quando membros da comunidade cinematográfica foram acusados de atividades subversivas, quer dizer, de serem comunistas. Essa lista se baseou principalmente em denúncias feitas por profissionais que ocupavam importantes cargos nas produtoras de cinema: produtores, diretores, roteiristas, atores e atrizes. Um nome passou para a história, entregando oito nomes de colegas de trabalho e amigos: Elia Kazan, diretor de Pânico nas ruas.
Pânico nas ruas (Panic in the streets, EUA, 1950), de Elia Kazan. Com Richard Widmark (Clinton Reed) , Jack Palance (Blackie), Zero Mostel (Raymond Fitch), Barbara Bel Geddes (Nancy Reed). Paul Douglas (Tom Warren).