A mãe deixou a panela cair. O coração disparou, barulho de metal repicando no piso da cozinha sempre a irritava. Conseguiu prender a panela com o pé, parando aquele som que entrava fundo em seus ouvidos. Respirou fundo, abaixou-se lentamente, uma das mãos nas costas, pouco acima das nádegas, a outra recolhendo o utensílio barulhento. Jogou a panela na pia. Meu Deus! mais barulho. Viúva, morava sozinha, na sua rotina, uma cachorra poodle, conversa matinal com as vizinhas, caminhada pelo quarteirão, cochilo depois do almoço, a novela das seis… das sete. Até que a filha e a neta vieram morar junto. Ih, ela acordou! Foi ao quarto da neta, encostou o ouvido na porta. Abriu devagar, descalçou os chinelos, andou lentamente até perto da cama. Dormia. Juro que ouvi um choro. Esses barulhos, sei não, essas coisas da noite. Denise na rua até essa hora. Fechou a porta do quarto, caminhou até a sala. Conferiu se as janelas estavam fechadas, a porta. Foi quando a mãe ouviu o tiro.
Roberto, o ex-marido, contou à polícia que naquela noite ele e Denise tinham finalmente feito as pazes. Comeram pizza se lembrando de velhos tempos. Ele não bebera. Nunca bebo quando estou dirigindo. Na saída, chamei Denise para um motel. É tarde, me leve para casa. A nossa? Não. A casa da mamãe, Dani pode acordar, a mãe não tem mais idade para levantar de noite. No carro, ela deitou o rosto em meu ombro, apertou a minha mão. Foi o que disse.
Paramos no portão da casa da sogra. Uma hora da manhã, a rua deserta. A luz do poste estava queimada. Denise me abraçou, beijou minha boca, assim, beijo mesmo, com saudade, com… Isso entra no depoimento? Ouvi uma batida no vidro do carro, na janela do lado de Denise. Um rapaz com revólver. Apontou a arma. Ele bateu de novo, pensei que fosse quebrar o vidro. Fez sinal para abaixar a janela. Obedeci, você sabe, a arma na nossa cara. Ele me mandou descer. Eu não sabia o que fazer, fiz gesto de abrir a porta, Denise gritou assustada, fez um movimento descontrolado em minha direção. Foi quando escutei o tiro.
Denise casara-se cedo, aos dezenove. Levava vida de dona-de-casa: filha, casa, marido bem de vida. Com o tempo, perdeu o encanto, o desejo. Quando soube das noitadas do marido, não se importou. Deixou o tempo passar, a filha crescendo. Um dia, como acontece com poucas mulheres que vivem para o lar, acordou. Mudou-se para a casa da mãe, arrumou emprego. Entusiasmou-se. Roberto não. Passou a persegui-la, exigindo a volta. Ele freqüentava a casa para ver a filha. Ficava até mais tarde, a mãe ressabiada, esse volta não volta, minha liberdade foi embora, nessa idade tomando conta de menina.
O advogado entrou com os papéis. Agora não tem volta. Roberto: tem. Ou você não fica com nada, não põe a mão em um centavo meu. E tem mais, se te pego com outro, é tiro. Denise não levou a sério, conversa fiada, pensou.
Na noite em que voltavam para casa – ideia dele sair para conversar, só comer uma pizza e conversar – Roberto tinha semblante calmo, feliz. Na saída da pizzaria, tentou beijá-la. Ela recusou. Vamos para um motel. Ela recusou. No caminho de casa, pensava na filha, fazia planos, os olhos vendo as ruas, as luzes da cidade. Na porta da casa da mãe, ele parou o carro debaixo do poste. Denise observou a luz queimada, a rua na penumbra. Sem lua, sem luz, o farol do carro apagado.
Assustou-se com barulho no vidro. Um rapaz com arma na mão. Antes dele bater de novo, o vidro desceu lentamente. Ela olhou assustada para Roberto. Ele já estava com a perna para fora do carro. Roberto afastou-se lentamente do carro. Foi quando Denise escutou o tiro.