A história aconteceu em uma pequena cidade da Zona da Mata, interior de Minas. Minha mãe brincava no chão da cozinha, perto do fogão à lenha, com irmãos. O irmão mais velho, de 20 anos, estava deitado na mesa da cozinha, um pequeno rádio elétrico em seu peito, escutando notícias do Botafogo, time do coração.
Era noite de tempestade, relâmpagos e trovões – desses que despertam todos os medos. De repente, o mais ensurdecedor de todos. Todos na cozinha se levantaram em um salto. Menos o irmão que escutava rádio. Ele estava morto. Um raio atingira as imediações e, por uma dessas fatalidades inacreditáveis, o rádio pousado no peito conduziu a descarga, matando-o. Não me questionem das possibilidades científicas ou probabilidades estatísticas, aconteceu.
A mãe nunca se recuperou do trauma. Em dias de tempestade, acende uma, dependendo da quantidade de raios e trovões, várias velas para Nossa Senhora. Na infância, me acostumei a vê-la andando pela casa escutando a chuva, mãos segurando o coração a cada trepidar de janelas. Chuva forte, ela apertava os filhos no colo dizendo palavras carinhosas e protetoras – para ela mesma. Rádio ou qualquer coisa ligada na tomada, nem pensar.
Quando a chuva diminuía, eu dava um jeito de escapulir para a rua, correr para as brincadeiras de chuva. Tico-tico fuzilado, o perdedor ia para o paredão, braços abertos, rosto voltado para o muro, uma bola de meia molhada deixava uma sádica marca nas costas do pobre condenado; ou simplesmente fazer barricada de pedras e paus na correnteza, pular em poças d’água. Quando voltava para casa, a mãe já tinha esgotado as velas.
Adolescente, no tempo das águas, eu e amigos descíamos a pé do Estadual Central – do Santo Antônio ao Centro da Cidade – sem guarda-chuva. Eu deixava a chuva entrar pelas roupas, encharcar corpo e alma, sensação de jovens em bando despreocupados da vida. Chegava em casa, a mãe dizia “menino, tira essa roupa e toma um banho quente”. Eu tomava, esquecido de tudo.
E beijar namorada debaixo da chuva… Hoje, tenho certo receio da chuva, um resfriado, coisa mais séria, sei lá. Prefiro sentar na varanda para ver a chuva, raios e trovões. A cada barulho penso na mãe acendendo velas, as mãos no peito, o coração na infância.