Gabriela saiu da piscina e sentou-se no chão, de frente para a mãe.
– Você está triste, mãe. – a mãe tirou os óculos escuros.
– Por que você diz isso?
– Dá para notar. Não precisa nem prestar muita atenção.
– Deve ser o dia. Domingo costuma ser monótono, sem nada para fazer, todo final de semana neste sítio. A mesma vista, as mesmas pessoas, tanta gente aqui sem ter o que fazer, com vontade de fazer coisas que não pode. Acho que estou um pouco cheia, só isso. – ela surpreendeu-se de desabafar com a filha assim.
– Não estou falando só de hoje. Estou falando de todos os dias. – a mãe ficou alguns segundos sem saber, levantou-se, caminhou até perto da grade do deck. O sol começava a se aproximar da montanha, batendo quase de frente em seus olhos, derramando uma luz clara na paisagem verde, deixando árvores, matas e caminhos com uma cor estourada, quase indistinguível. Debruçou-se na sacada e ouviu a voz de Gabriela, bem perto de seu ouvido. Voz baixa, tranqüila e segura, como se falasse de um segredo, mas sem medo de revelar segredos.
– Papai já sabe que você está apaixonada por outro homem?
– Enlouqueceu, menina.
– Deixa disso, mãe. Escutei você no telefone outro dia. – ela pensou em negar, um jeito de virar o jogo. Olhou por alguns segundos para a filha, ela permanecia tranquila, os olhos esperando. – E então. Papai já sabe?
– Não. Acho que ele não percebeu nada. Ele fica dia e noite no trabalho, eu também, a gente nem tem tempo para desconfiar dessas coisas. – não sentiu medo nem pesar por ter se revelado tão naturalmente para a filha, apenas surpresa consigo mesma. Pegou-a pela mão e levou-a de volta para as cadeiras ao lado da piscina. Por fim, sentou-se e afundou a cabeça entre os joelhos, como se desse conta do que acontecera. Sentiu a mão de Gabriela em seus cabelos. Levantou o rosto. – Coisa feia, escutar conversa dos outros.
– Eu sei. Desculpa mãe, foi sem querer. É sério? vocês estão juntos há muito tempo? ouvi você dizer te amo.
– É. É sério. Acho que pela primeira vez na vida estou amando de verdade. Não que eu não tenha amado seu pai. É um amor diferente, com paixão. Como se, como se…. ah, não sei.
– E você quer ficar com ele.
– Quero. É a coisa que eu mais quero na vida.
– Porque você não conversa com o papai. Talvez ele entenda. – a mãe olhou com carinho a filha, os cabelos loiros, olhos azuis, “Deus, como ela cresceu”.
– Não posso. Nós temos você, eu não posso fazer isso com você.
– Pera aí, mãe. Eu não tenho nada a ver com isso. É uma história entre você, papai e o seu …. o seu….o seu namorado.
– Mas Gabriela, você não entende.
– Acho que quem não está entendendo é você. Daqui a pouco eu saio de casa, vou viver a minha vida e você vai ficar aqui. Você e o papai. Pelo jeito, infelizes.
– Não é tão simples ….
– Na verdade é simples. Você não ama o papai. Acho que o papai também não ama você mais. Ficam aí, apegados a essas coisas materiais, dizendo com orgulho de tudo que construíram juntos. Agora você está apaixonada, está tendo um caso. Se fosse um caso passageiro, vá lá. Mas não. Parece que não. Você acabou de dizer que quer ficar com ele mais do que tudo na vida. Está triste, deprimida, sofrendo. E diz que vai sacrificar a sua vida por mim. Eu não peço isto. Filho nenhum pede isto. Vocês é que decidem assim. Vivem dizendo, “vocês são a minha vida”, e tem aquela conversa fiada, aquela chantagem barata: “dediquei a minha vida por você, fiquei noites sem dormir, deixei de fazer tudo que queria”. Não vem com essa que eu não quero carregar este peso. Se você sacrificar alguma coisa é problema seu. Convenhamos, né mãe. Vocês complicam tanto a vida.
– Mas eu vou separar você e seu pai ….
– Ah, não vai. Mas não vai mesmo. Eu adoro o papai. Vou continuar convivendo com ele. Eu tenho amigos de pais separados, você sabe. Eles vivem do mesmo jeito. Ninguém morre, ninguém mata. Uns carregam lá os seus problemas, mas… os pais tão aí, cuidando da vida, dos filhos, trabalhando, vivendo. Acho que vai ser até legal ter duas casas, conhecer seu namorado, a namorada do papai. É a vida, mãe.
Um estremecimento tomou conta do corpo de Gabriela. Ela encolheu os braços. O sol acabara de se esconder atrás da montanha.
– Você vai se resfriar minha filha. Vem cá, deixa eu enxugar você. – ela pegou a toalha e envolveu-a toda, passando a toalha pelos cabelos molhados da filha. – Tem certeza que você vai ficar bem?
– Mãe, eu já estou crescidinha. Por falar nisto. Mês que vem é meu aniversário. Já comprou o meu presente?
– Não sei, o que você quer?
– Humm. Tava pensando numa mobilete.
– Mobilete?
– É. Aquela moto pequena que o Arthurzinho tem.
– Ah, não. É muito perigoso. Você ainda não tem idade.
– Mãe. Eu já vou fazer doze anos. Dá para deixar esse negócio de menininha de lado?