Os livros estavam espalhados no chão da sala. O sol anunciava uma clara manhã de domingo, a primavera despejando seus cheiros naquela casa banhada de flores. As flores de minha mãe.
Eu perdera no par ou ímpar e a irmã ganhara a oportunidade de escolher primeiro. Olhei para meu livro favorito, mas desviei os olhos com medo de me trair. Com ar de vencedora, ela escolheu As sandálias do pescador. Respirei aliviado.
– Sua vez. – disse a irmã, olhando para O morro dos ventos uivantes. Peguei o livro.
– Vamos fazer diferente. Eu escolho mais um agora e você escolhe dois depois.
Ela concordou. Peguei rapidamente O bosque das ilusões perdidas. A seguir, ela separou para o seu canto Como era verde meu vale. Sorriu ao notar o meu olhar angustiado.
Quando começamos a trabalhar, ainda adolescentes, fizemos um pacto, cada um compraria um livro por mês, formando uma biblioteca única. Era a forma de valorizar nosso pouco salário para fazer aquilo de que gostamos tanto: ler. Dependendo do mês, dava para comprar mais de dois livros. Combinamos, “quando um de nós sair de casa, dividimos a biblioteca”.
Ela pegou o segundo livro, O caso dos dez negrinhos. Terminada a divisão, a irmã me ajudou a empacotar os livros. Descobrimos que não eram tantos assim, pouco mais de uma dúzia foi o que me coube na partilha.
Dias depois, ao arrumar os livros em minha nova casa, no fundo da caixa encontrei Como era verde meu vale. Foi o primeiro livro que coloquei na estante, a lombada verde soltando a cola, revelando o uso descuidado de jovens leitores. Um a um os livros foram encontrando seu lugar no canto do móvel. E até hoje, tantos anos, tantas mudanças depois, o verdadeiro lugar destes livros é na casa dos meus pais, na casa dos meus irmãos.