Primas

Por sorte a chuva parou. Deixou o ar da primeira noite de janeiro menos quente, mais gostoso para encontros amorosos. A maioria das barracas está fechada, às escuras, um ou outro lampião com a luz baixa faz imaginar alguém ainda por aí, olhando estrelas ou bebendo, o que costuma dar no mesmo.

Não sei se Flávia consegue sair a essa hora. “Vou ver”, ela prometera. Para meu coração adolescente. para meus olhos, boca, mãos, braços e tudo que você imaginar, era uma promessa. No pequeno caminho de pedregulhos entre as barracas vem andando uma mulher. Quase, uma menina. Flávia. Longos cabelos morenos encaracolados, olhos entre castanho e amêndoa (ainda não enxergo daqui, mas conheço de cor esses olhos), lábios com gosto de morango em meus sonhos – como Tess do Roman Polanski, o andar como quem pisa na ponta dos pés.

“Oi, peraí, você não é…”

“A Flávia pediu para avisar que não vem. O pai, você sabe.”

“Que pena.”

“Pois é. Sou a Josi.”

Eu sei. A prima da Flávia. Cabelos louros, lisos, rosto claro, faces brancas com manchas cor-de-rosa nas bochechas, olhos – está escuro não consigo ver a cor dos olhos. O rosto… tem sua graça.

“Oi Josi.”

“Eu preciso ir. Vim só dar o recado.”

“Não, fica. Vamos conversar um pouquinho. Tenho reparado em você.”

“Eu também. Também reparo em você.”

No canto, separada da turma, ela ficava me olhando, lembro agora. Meninos e meninas se reuniam todas as noites perto da quadra de vôlei, conversando, flertando. Josi, retraída, ficava em silêncio, abaixava a cabeça quando se falava uma ou outra bobagem. A gente bebia vinho Chapinha escondido dos pais e ela com aquele olhar assim, recriminando. Alguém acendia um cigarro e ela logo dava um jeito de ir embora. Voltava o rosto uma ou duas vezes e desaparecia no meio das barracas.

Agora, encolhida no canto do banco, os olhos baixos, os pés brincando com as pedras no chão, as mãos sem saber direito onde ficar… Passaram-se alguns minutos, apenas o barulho da cachoeira, das águas convidativas de janeiro.

“Tenho que ir embora.”

“Não. Espera.” Levantei-me e a puxei pelo braço. Josi encostou a cabeça em meu peito. Senti o cheiro de seus cabelos morenos, minha mão abriu caminho entre os fios encaracolados até o seu pescoço. Ela olhou para cima, seus olhos castanho-amêndoas parados nos meus. Um sorriso moldou suas faces morenas. Nossos lábios e línguas se juntaram. Ela tem gosto de morango.

Naquela noite, eu era apenas um adolescente beijando uma menina pensando em outra. Apenas um adolescente.

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