Marjorie Prime

A ficção científica de Michael Almereyda coloca de forma sensível, e um pouco cruel, aquilo que atormenta os humanos sem piedade: a passagem do tempo. Marjorie, de 86 anos, começa a sofrer com a perda da memória. Sua filha, Geena, e seu genro, Jon, tentam confortá-la com um Prime, equipamento que projeta um holograma de seu marido morto há 15 anos. A partir das longas conversas, destinadas a ajudar Marjorie em suas memórias, percebe-se que o Prime aprende e desenvolve também suas memórias.  

À medida que o tempo passa e os protagonistas envelhecem, outros Primes entram em cena, em um primeiro momento confundindo o espectador sobre o real sentido de tudo. Pequenos flashbacks compõem, desnecessariamente, a trama. O que importa é a relação entre cada um e seus entes queridos, substituídos por uma ilusão aparentemente dotada de memórias afetivas. Marjorie Prime é sensível, afetivo, misterioso, cruel quando confronta Marjorie, Tess e Jon com a realidade implacável dos dias que escoam, com a vida que se desvanece como um apagar de telas.  

Marjorie Prime (EUA, 2017), de Michael Almereyda. Com Lois Smith (Marjorie), Geena Davis (Tess), Jon Hamm (Walter), Tim Robbins (Jon). 

Mães paralelas

Pedro Almodóvar parte de uma premissa triste, a troca de bebês na maternidade, para debater o complexo sentimento de maternidade. Janis e Ana dividem o quarto na maternidade quando estão prestes a entrar em trabalho de parto. Tornam-se amigas, confidentes, mantém uma relação à distância quando as filhas nascem. Tudo muda, de forma drástica, quando Janis começa a suspeitar que a bebê que levou para casa não é sua filha genética. 

Não há segredos ou surpresas nesta trama de troca de bebês. O espectador sabe desde o início da verdade. No entanto, uma virada de roteiro muda o relacionamento das duas mulheres. 

O ponto alto do filme é a narrativa paralela: no povoado de Janis, existe uma cova onde foram enterrados vários homens da cidade, executados durante a guerra civil espanhola. O final, quando a cova é aberta por uma ONG, é revelador, amparado pela potente frase de Eduardo Galeano que fecha o filme: 

“Não existe história muda. Por mais que a queimem, por mais que a quebram, por mais que mintam, a história humana se recusa a ficar calada.”

Mães paralelas (Madres paralelas, Espanha, 2021), de Pedro Almodóvar. Com Penélope Cruz (Janis), Milena Smit (Ana), Israel Elejalde (Arturo), Aitana Sánchez-Gijón (Teresa), Rossy De Palma (Elena). 

Crimes do futuro

O mais recente filme de David Cronenberg exige do espectador estômago, no sentido literal, para acompanhar a trama. Em um futuro desconhecido, o célebre artista Saul Tenser faz performances expondo seus órgãos internos. Os humanos passaram por mutações, novos órgãos foram desenvolvidos. A jovem Caprice acompanha seu namorado nas apresentações, narrando as performances de forma dramática e visceral. 

Prepare-se para cenas absurdamente cronenberguianas: no início do filme, um menino come um balde de plástico no banheiro e, a seguir, é assassinado pela própria mãe; a exposição pública dos órgãos de Saul; simulações sexuais de puro prazer e partir do compartilhamento de órgãos; um casal de assassinas em busca de sangue; a autópsia pública do cadáver de uma criança, manipulada por uma máquina aterradora. Bem, é um filme de David Cronenberg. 

Crimes do futuro (Crimes of the future, Canadá, 2022), de David Cronenberg. Com Viggo Mortensen (Saul Tenser), Léa Seydoux (Caprice), Kristen Stewart (Timlin), Scott Speedman (Lang Dotrice), Don McKellar (Whippet). 

A festa

Janet acaba de ser nomeada Ministra da Saúde no governo inglês. Junto com seu marido Bill, um professor universitário, ela reúne um pequeno grupo de amigos em sua casa para comemorar. Um casal de lésbicas, Martha e Jinny, que passou por inseminação artificial e está grávida de trigêmeos. April, a melhor amiga de Janet, junto com seu marido, Gottfried. Tom, um profissional do mercado financeiro.

O clima de alegria e confraternização muda drasticamente quando Bill faz uma revelação que envolve morte e adultério. A festa tem uma estrutura completamente teatral, apesar de o roteiro ser original para cinema: a encenação acontece em um único ambiente com sete personagens. O humor ácido está nos diálogos e em situações inusitadas, como o personagem de Tom que entra no banheiro a todo instante para cheirar cocaína. O conflito principal da trama gira em torno de uma personagem ausente, a mulher de Tom. Mas revelações bombásticas são feitas a cada minuto das conversas. O final surpreendente deixa o espectador fascinado diante de um grande roteiro.

A festa (The party, Inglaterra, 2021), de Sally Potter. Com Timothy Spall (Bill), Kristin Scott Thomas (Janet), Patricia Clarkson (April), Gottfried (Bruno Ganz), Cherry Jones (Martha), Emily Mortimer (Jinny), Cillian Murphy (Tom).