As duas mortes de Alex Forrest

Robert Altman cita no filme O jogador (The player, EUA, 1992) um caso famoso do cinema da década de 80: o novo final de Atração fatal, gravado após uma exibição de pré-teste. Em O jogador, produtores de cinema estão conversando sobre o final do filme.

“Quem escreveu o novo final de Atração fatal? O público”

“Há milhões de escritores e o público o escreveu.”

“Não se pode prever como seria com o final original. Mas sabemos que a bilheteria mundial foi de US$ 300 milhões com o final escolhido no teste.”

Atração fatal (Fatal attraction, EUA, 1987), de Adrian Lyne, aborda conseqüências da infidelidade. O advogado Dan Gallagher (Michael Douglas) é casado. Enquanto a mulher e a filha passam um final de semana fora, ele tem um caso com Alex Forrest (Glenn Close). O romance de fim de semana se transforma numa obsessão sem limites. Alex Forrest se revela psicótica e, quando descobre que o amante ocasional não quer mais nada com ela, passa a perseguir Dan e sua família.

Em uma sequência famosa, Alex mata o coelho da filha do casal, colocando-o para “ferver” na panela na cozinha da casa. Depois, seqüestra a garota, passando uma tarde com ela no parque de diversões. A mãe, desesperada, sai de carro em busca da filha e acaba sofrendo acidente de trânsito. Alex devolve a filha, mas Dan, furioso, vai até a casa da ex-amante. Os dois brigam, Dan começa a estrangular Alex, mas desiste a tempo. Alex pega uma faca de cozinha e investe novamente contra Dan, tentando matá-lo. Dan consegue dominá-la, tira a faca de suas mãos e vai embora.

No final original, após esta cena, Alex Forrest coloca a ópera Madame Butterfly para tocar, pega a faca de cozinha que Dan deixara em cima da mesa, senta-se calmamente no banheiro e, ao som da música, corta o próprio pescoço (edição especial em DVD do filme traz este final como bônus). Cena forte, selando o trágico destino dos dois amantes: o suicídio incrimina Dan – ele acabara de ter uma violenta briga com a vítima e deixara suas impressões digitais na faca.

Stanley R. Jaffe, produtor do filme, declara que “este final era inteligente, arriscado e brilhante. Mas o público não gostou.” O filme foi testado em Seattle, São Francisco e Los Angeles. Observações dos principais envolvidos com Atração Fatal sobre o comportamento do público durante as sessões de testes:

“Era evidente que estavam desconfortáveis e insatisfeitos.” – Anne Archer, que interpretou a mulher de Dan.

“Chegava a um ponto que a gente sentia que o público não estava satisfeito.” – Sherry Lansing, produtora do filme.

“O final parecia trivial. O filme funciona perfeitamente até os 15 minutos finais.” – Adrian Lyne.

“Nas exibições, quando a Anne Archer pega o telefone e diz para Glenn Close: ‘Aproxime-se da minha família de novo e eu a mato ouviu?’, o público estourava, queria vingança.” – Stanley R. Jaffe, produtor.

“Sabíamos que o público queria que a Anne defendesse a sua família. Sabíamos que queriam que a Glenn Close morresse.” – nova opinião da produtora Sherry Lansing.

Após as exibições testes, Adrian Lyne conversou com os produtores e decidiram por um novo final.  A idéia não agradou a Glenn Close: “Pensei que fosse piada quando o Stanley me ligou e disse, ‘vamos refilmar o final’. Para mim, o fim da personagem era aquele. É como muitas personalidades assim terminam. Matam-se.” Depois de se recusar durante semanas a fazer o novo final, ela acabou cedendo e participou das gravações.

O novo final começa a partir do momento em que Dan deixa a faca de cozinha em cima da mesa, após a briga no apartamento de Alex. Transtornada, a amante vai até a casa de Dan e surpreende a mulher dele no banheiro. Tem início uma violenta briga entre as duas, Alex está com a faca e tenta matar a rival. A sequência é violenta, marcada pelo suspense, pelo inevitável, terminando com a famosa cena da banheira.

Michael Douglas declarou que ninguém podia prever a raiva que o público passou a sentir de Alex Forrest. Os produtores e Adrian Lyne satisfizeram o público, oferecendo-lhes um final de vingança e ódio. Com um final mais “acessível”, Atração fatal arrecadou mais de 100 milhões de dólares nas bilheterias, foi indicado a nove Oscars (apesar de não ganhar nenhum) e a dupla de personagens principais, Michael Douglas e Glenn Close, virou capa da revista Time.

As interferências no filme trazem ainda uma discussão: mudou-se o final, mas as pistas deixadas pelo roteirista e pelo diretor, que conduzem a narrativa para o caminho planejado, permaneceram. Em uma cena no início do filme, Dan Gallegher e Alex Forrest, ainda amantes, acabam de chegar do parque e estão na cozinha. Estão ouvindo Madame Butterfly. Dan diz que é sua ópera favorita, a viu pela primeira vez na companhia do pai, quando criança. E completa: “Era a história de um marinheiro indo morar com uma japonesa. Até aí, tudo bem. Mas, no ato final, quando ele a deixa, meu pai me disse: ‘ela vai se matar.’ Fiquei aterrorizado. Fui parar debaixo do assento.” – Dan para de falar, presta atenção na música e diz “É agora. É agora.” – a seguir, comenta que aquela foi uma das poucas vezes em que o pai foi delicado com ele. Depois, sai de quadro. Close no rosto de Alex, bebendo vinho tinto e ouvindo, deslumbrada, o ato final da ópera.

É uma pista, a preparação para o ato final de Alex Forrest, que foi cortado do filme, Depois que Dan a deixa, saindo do apartamento, ela se mata ouvindo Madame Butterfly. Assistir a um filme é juntar peças, participar da narrativa. Atração fatal, com o final desejado pelo público pode ter sido um sucesso de bilheteria, mas para os cinéfilos mais atentos, fica a impressão de que alguma peça está faltando.

Referências: extras do DVD.

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