Kung-Fu Master!

Agnès Varda envereda por um tema ousado, polêmico, diria até mesmo proibido. O amor de uma mulher de cerca de 40 anos por um adolescente. Durante uma festa em sua casa, promovida por sua filha Lucy, Mary-Jane fica encantada por Julien, colega de escola de Lucy. Ela decide que precisa vê-lo novamente e começa uma série de encontros com o garoto, a princípio, despretensiosos, mas que caminham cada vez mais e mais para a paixão mútua. A relação se concretiza durante uma viagem de férias em Londres, depois, Mary-Jane e Julius partem para uma estada em uma ilha na Inglaterra.

Jane Birkin e Charlotte Gainsbourg, mãe e filha na vida real, transpõem essa condição para o filme. A relação entre as duas se anuncia cada vez mais conflituosa, à medida que o caso da mãe se revela. O garoto Julien é interpretado por Mathieu Demy, filho de Agnès Varda e Jacques Demy. 

Apesar de controverso, Kung-Fu Master traz a sensibilidade característica da diretora francesa. Em um determinado momento, a mãe de Mary-Jane diz à filha que ela deve se entregar à paixão, apesar de tudo caminhar para a inevitável punição. 

Kung-Fu Master! (Kung-Fu Master! Le petit amour, França, 1988), de Agnès Varda. Com Jane Birkin (Mary-Jane), Charlotte Gainsbourg (Lucy), Mathieu Demy (Julien), Lou Doillon (Lou).  

O ornitólogo

Fernando está sozinho na selva, observando pássaros. Durante uma travessia de caiaque pelo rio, ele é surpreendido pela correnteza e se acidenta. Quando acorda, na margem, está perdido. 

É o início de uma jornada espiritual, metafísica, durante a qual Fernando se defronta com pessoas estranhas e perigosas. Duas jovens chinesas, fanáticas religiosas, o amarram e ameaçam castrá-lo. Um jovem mudo, chamado Jesus, é pastor de cabras. Os dois vivem um momento amoroso que termina tragicamente. Um grupo de amazonas nuas se dispõe a guiar o ornitólogo para fora da floresta, mas ele recusa. 

O filme de João Pedro Rodrigues é uma releitura do mito português de Santo Antônio. A jornada de Fernando é uma jornada de autodescoberta, transformação, se entrega à espiritualidade em uma comunhão entre homem e natureza. A obra exige a entrega contemplativa e espiritual que o cinema incentiva. 

O ornitólogo (Portugal, 2016), de João Pedro Rodrigues. Com Paul Hamy (Fernando), João Pedro Rodrigues (Antonio), Xelo Cagiao (Jesus), Han Wen (Fei), Chan Suan (Ling).

A restauração de um clássico

A minha dissertação no mestrado de cinema tratou dos cortes impostos pelos produtores nos filmes. Escrevi sobre filmes que tiveram finais modificados após serem submetidos a sessões de pré-testes. Assunto inesgotável, basta ver em alguns bons extras de DVD. A indústria do DVD trouxe duas vantagens ao cinema: a restauração de filmes antigos, alguns praticamente deteriorados, e a inclusão de depoimentos, entrevistas, comentários – histórias que ajudam cinéfilos a conhecer mais sobre cinema.

Ludwig (Itália/Alemanha/França, 1972), de Luchino Visconti, sofreu com a prática imposta por produtores de cortar o filme objetivando aceitação comercial. Após a montagem final, Visconti entregou Ludwig aos produtores com cerca de 4h10 de duração. Uma história grandiosa, passando pelos 25 anos de reinado do Rei Ludwig da Baviera.

O Rei Ludwig ficou famoso pela excentricidade, alguns classificaram de loucura. O rei foi um mecenas das artes, financiou grandes obras do compositor alemão Richard Wagner, chegando a construir um teatro especialmente para o músico. Era um soberano solitário, em conflito com sua sexualidade, cena do filme mostra Ludwig (Helmut Berger) fascinado e perturbado ao ver um de seus serviçais nadando nu no lago. Pouco depois, ele demite o empregado sem explicações e pede a mão da princesa Sophie, da Áustria, em casamento (o noivado foi rompido mais tarde e o rei nunca se casou).

Ludwig se afastou progressivamente do governo de seu reino para se dedicar a obras suntuosas, construindo grandes castelos na Baviera, dos mais belos da Europa, imponentes projetos arquitetônicos. Devido a essas excentricidades, Ludwig ficou conhecido como o “rei dos contos de fadas”, ou “rei lunar”. Era adorado por seu povo.

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Histórias da nova Hollywood

Em conversa com uma amiga, comentei que os filmes já não provocam aquela sensação que tínhamos ao sair de diversas sessões de cinema nos anos 70. Pensava nos sentimentos, muitos incompreensíveis para um adolescente, que vivenciei em filmes como 2001 – uma odisséia no espaço, Laranja mecânica, O poderoso chefão, O exorcista, Tubarão, Inverno de sangue em Veneza, Taxi driver, O céu pode esperar, All that jazz – o show deve continuar, Contatos imediatos do terceiro grau, Star wars, Hair, Superman, Alien – o oitavo passageiro.

Muitos destes filmes definiram o cinema contemporâneo americano, uma parcela adotando o conceito de cinema autoral, outros redefinindo o cinema comercial. Em todos os casos eram filmes impactantes, surpreendentes. Viver como espectador o cinema dos anos 70 faz parte da minha formação, influenciando inclusive minhas escolhas profissionais. Talvez isto possa ser entendido com a leitura de Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood, de Peter Biskind.

O autor narra com riqueza de depoimentos a saga dos mais importantes produtores e diretores entre o final dos anos 60 e início dos 80.

Segundo Susan Sontag: “Foi um momento muito específico nos cem anos da história do cinema, um momento em que ir ao cinema, pensar sobre cinema, falar sobre cinema tornou-se uma verdadeira paixão entre estudantes universitários e outros jovens. Você se apaixonava não pelos atores, mas pelo próprio cinema.”

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