
Em conversa com uma amiga, comentei que os filmes já não provocam aquela sensação que tínhamos ao sair de diversas sessões de cinema nos anos 70. Pensava nos sentimentos, muitos incompreensíveis para um adolescente, que vivenciei em filmes como 2001 – uma odisséia no espaço, Laranja mecânica, O poderoso chefão, O exorcista, Tubarão, Inverno de sangue em Veneza, Taxi driver, O céu pode esperar, All that jazz – o show deve continuar, Contatos imediatos do terceiro grau, Star wars, Hair, Superman, Alien – o oitavo passageiro.
Muitos destes filmes definiram o cinema contemporâneo americano, uma parcela adotando o conceito de cinema autoral, outros redefinindo o cinema comercial. Em todos os casos eram filmes impactantes, surpreendentes. Viver como espectador o cinema dos anos 70 faz parte da minha formação, influenciando inclusive minhas escolhas profissionais. Talvez isto possa ser entendido com a leitura de Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood, de Peter Biskind.
O autor narra com riqueza de depoimentos a saga dos mais importantes produtores e diretores entre o final dos anos 60 e início dos 80.
Segundo Susan Sontag: “Foi um momento muito específico nos cem anos da história do cinema, um momento em que ir ao cinema, pensar sobre cinema, falar sobre cinema tornou-se uma verdadeira paixão entre estudantes universitários e outros jovens. Você se apaixonava não pelos atores, mas pelo próprio cinema.”
Uma geração formada nas universidades de cinema, com as primeiras experiências na TV ou em produções tipo B de Roger Corman. Os principais nomes são Francis Ford Coppola, Robert Altman, Warren Beatty, Dennis Hopper, Steven Spielberg, George Lucas, William Friedkin, Hall Ashby, Martin Scorsese, Brian De Palma. Segundo Biskind, alguns se perderam na própria magnitude artística, como Coppola.
“Nunca mais Coppola fez filmes comparáveis às obras-primas dos anos 70. Certa vez ele disse que o homem que fez os dois Chefões morreu na selva, e talvez ele esteja certo. Talvez o lítio tenha lobotomizado sua carreira. O produtor Al Ruddy, que passou a acompanhar a carreira de Coppola de longe, depois que os dois brigaram durante a produção de Chefão, disse: ‘Antes de O poderoso chefão ele era um joão-ninguém. Depois, era um dos diretores mais importantes do mundo. Ninguém está preparado para uma viagem dessas. Ele ficou obcecado em ser o tipo de homem que Charles Bluhdorn era. Perdeu o foco, tornou-se mais um diretor que se destruiu tentando viver um filme.’”
Outro diretores, como Steven Spielberg e George Lucas, se “venderam” ao cinema comercial, na opinião do autor do livro. Após criar o conceito de blockbuster com Tubarão, Spielberg cedeu aos interesses dos produtores, ajudando com seus filmes a sepultar a Nova Hollywood (como ficou conhecido o movimento que pretendia dizer não ao sistema de estúdios) no final da década de 70 e trazer de volta o poder dos produtores.
É a trajetória de Martin Scorsese, diretor de Taxi driver, que ilustra o foco principal do livro: um dos mais talentosos diretores autorais que vê sua criatividade e quase a vida ser ceifada pelo uso de drogas. No início da carreira, Scorsese conseguiu se manter afastado das drogas, até que conheceu a cocaína.
“Marty se drogava como se estivesse tomando aspirina. Seu peso vivia aumentando e diminuindo. Além disso, ele e seus amigos precisavam de bebida para desacelerar, e consumiam pelo menos duas garrafas de vinho ou vodka só para adormecer.”
Segundo o próprio Scorsese: “Eu me droguei muito porque eu queria… queria forçar a barra ao máximo, até o fim, para ver se eu ia morrer. Isso era a chave de tudo, ver como seria estar próximo da morte.”
A tônica do livro está explícita no título. Sexo-drogas-e-rock’n’roll acompanhou a carreira de alguns destes diretores. Num curto espaço de tempo, eles construíram obras-primas do cinema contemporâneo, nitidamente fazendo dos anos 70 a última grande década do cinema. Foram engolidos pelo próprio sistema que combatiam, “jogaram tudo fora” na opinião dos próprios. Mas deixaram seus filmes para lembrar que o cinema é muito mais do que pipoca e bilheterias.
Referência: Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood. Peter Biskind. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009