O cinema poético experimental de Kieslowski

Gosto do Kieslowski poético da trilogia das cores e, principalmente, do belo Não amarás (1988). Mesmo trabalhando no aspecto político-experimental, o diretor polonês não deixa de lado o cinema de poesia.

Cinemaníaco (Amator, Polônia, 1979) retrata Lodz, cidade do cineasta. Filip, funcionário de uma fábrica, compra uma câmera de cinema e faz filmes caseiros. Os filmes agradam ao diretor da empresa que passa a financiá-lo e também a controlar as produções de Filip. Sugere fitas favoráveis ao partido, à cidade, determina cortes de cenas. Visto assim, Cinemaníaco pode ser um simples filme sobre ditadura e censura no leste europeu. É mais do que isso.

Filip fica aos poucos obcecado com as imagens cotidianas que capta. Trabalhadores em frente a sua casa. Um operário da fábrica – deficiente físico, em seu dia-a-dia de trabalho e lazer. As fachadas de prédios de sua cidade pintadas para impressionar na TV. No momento das filmagens, é um Filip entusiasta, alegre, ingênuo. A câmera na mão, enquadrando as paisagens urbanas e seus personagens. À medida que vê as imagens projetadas, o personagem se transforma em um Filip reflexivo, amargurado. Consciente de sua incapacidade, busca sentido em debates sobre cinema. Aos poucos, a vida tranquila com a qual sonhara desmorona. Sua mulher o abandona e o único gesto de que Filip é capaz, neste momento, é enquadrá-la com as mãos, simulando a câmera de cinema.

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O eterno cowboy

John Wayne foi o mais americano dos atores, talvez o mais americano dos americanos. Trabalhou em cerca de 150 filmes e foi protagonista dos melhores faroestes. Pelo menos três filmes, todos dirigidos por John Ford, estão entre os melhores do gênero: No tempo das diligências (1939), Rastros de ódio (1956) e O homem que matou o facínora (1962).

Apesar de inúmeros filmes lendários, John Wayne ganhou o Oscar de melhor ator no final da carreira por Bravura indômita (1969). O prêmio é visto como uma homenagem da academia ao querido ator. Três cenas inesquecíveis provam esse fascínio, essa paixão que John Wayne provocava no público.

No tempo das diligências. A diligência atravessa o Monument Valley, a fotografia em preto e branco do árido oeste. O xerife e o condutor, na boléia, conversam animados. De repente, o condutor freia os cavalos assustado. A câmera se desvia para a estrada à frente. Um zoom descontrolado, tremido, como nas mãos de um cinegrafista também assustado, focaliza o pistoleiro Ringo Kid (John Wayne) parado no meio da estrada com um rifle nas mãos. Foi sua primeira aparição de destaque no cinema. Tomou conta da tela e do imaginário do público.

Rastros de ódio. Ethan Edwards (John Wayne) passa cinco anos procurando sua sobrinha (Natalie Wood) raptada pelos índios. Dominado pelo preconceito, seu objetivo é matar a sobrinha. Não tem condições de aceitá-la após viver tanto tempo com os apaches. Quando a encontra, persegue a menina pelo deserto até acuá-la num buraco entre as rochas. Ela olha para Ethan assustada, o medo estampado em cada feição. Ethan, após alguns segundos, guarda a arma, pega a sobrinha pela cintura e a levanta acima de sua própria cabeça, com a facilidade e leveza de quem brinca com uma criança amada. O rosto voltado para cima, na direção da sobrinha, ele diz, “vamos para casa”.

A terceira cena é também de Rastros de ódio. Ethan deixa a sobrinha na casa de seus parentes. Não entra. Fica do lado de fora da porta, contemplando a alegria do reencontro. Volta-se e desce os degraus da varanda. A câmara, colocada no umbral da porta, filma o pistoleiro se afastando de costas. Solitário, condenado a uma vida errante. Não há mais lugar para o pistoleiro. Não há mais cowboys como JOHN WAYNE.