O homem errado

O homem errado é um dos raros filmes de Hitchcock baseado em um fato real.O roteiro foi adaptado de uma história que Hitch viu na revista Life: um músico é confundido com um assaltante, é preso, vai a julgamento, sua mulher fica traumatizada com o caso e é internada em um hospital psiquiátrico. O diretor procurou ser o mais fiel possível à história, colocando em cena, inclusive, testemunhas reais. 

“Bem, quase nunca me afastei da verdade e, rodando esse filme, aprendi muitas coisas. Por exemplo, a fim de se obter uma autenticidade absoluta, tudo foi minuciosamente reconstituído com a colaboração dos heróis do drama, tanto quanto possível filmado com atores pouco conhecidos e até mesmo, às vezes, nos papéis episódicos, com os que viveram o drama. Tudo isso no próprio local da ação. Na cadeia, observamos como os detidos recebem suas roupas de cama, suas próprias roupas, e, em seguida escolhemos para Henry Fonda uma cela vazia e o mandamos fazer o que os outros presos acabavam de fazer diante de nossos olhos. A mesma coisa para as cenas que se passam no hospital psiquiátrico, onde os médicos interpretavam seus próprios papéis.” – Alfred Hitchcock

A experiência neorrealista, quase documental, não agradou ao diretor que considera o filme um “mau-Hitchcock.”  Ele explica: “Bem, minha vontade ferrenha de seguir fielmente a história original foi a causa de graves fraquezas na construção. O primeiro ponto fraco é que a história do homem foi interrompida um longo momento pela de sua mulher, que se encaminha para a loucura, e por isso o instante em que chegávamos ao julgamento era antidramático. Em seguida, o julgamento se concluía de forma muito brusca, como aconteceu na vida real. Meu desejo de me aproximar da verdade foi grande demais e morri de medo de me conceder a licença dramática necessária.”  

Com certeza, o célebre mestre do suspense foi crítico demais sobre seu filme. Jean-Luc Godard afirmou: “Antes de ser uma lição de moral, The wrong man é a cada minuto uma lição de mise-en-scéne.”

O filme tem várias cenas que permitem ao espectador entrar no desespero lento de um homem íntegro, trabalhador, pai de família amoroso, acusado por um crime que não cometeu. Quando Manny Balestreiros está andando pela noite no carro de polícia, passando pelos locais que percorria do trabalho à casa de madrugada, seu olhar é profundamente triste, porém resignado. É o olhar de um homem simples, que percorre toda noite as ruas da cidade, após o trabalho, com a sensação de dever cumprido. No entanto, agora está algemado dentro de um carro de polícia. Cenas assim, segundo o crítico Antonio Moniz Vianna, fazem de  O homem errado “quase uma obra-prima”.

“A liberdade  condicional não diminui a angústia do ‘homem errado’. Fracassam as suas tentativas de localizar testemunhas que lhe seriam favoráveis. Gradativamente, sua mulher vai perdendo a razão. É outra vez a arte de Hitchcock: primeiro o sentimento de culpa, a seguir o silêncio de Rosa Balestrero, as ‘distrações’ notadas pelo advogado; depois, uma ou outra frase mais insólita e, uma noite, ao voltar para casa, Manny a encontra sentada à beira da cama. A cena em que ela agride o marido com uma escova é elucidativa e admirável: após o golpe, Rosa atinge também o espelho que se racha no sentido vertical e, num relance, o reflexo de Manny faz o espectador ver o que Hitchcock chama de ‘um Picasso’. E a notar: a atuação de Vera Miles, aí e no filme todo, é admirável.” – Moniz Vianna.  

O homem errado (The wrong man, EUA, 1956), de Alfred Hitchcock. Com Henry Fonda (Manny Balestrero), Vera Miles (Rose Balestrero), Anthony Quayle (Frank O’Connor), Harold J. Stone (Tenente Bowers). 

Referências

Hitchcock Truffaut. Entrevistas. Edição definitiva. François Truffaut e Helen Scott. São Paulo: Companhia das Letras, 2004

Antonio Moniz Vianna. Um filme por dia. Crítica de choque (1943-73). Ruy Castro (organização). São Paulo: Companhia das Letras, 2004

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