Os filhos de Isadora

No dia 19 de abril de 1913, o carro que transportava os dois filhos da dançarina Isadora Duncan caiu no Rio Sena, em Paris. As crianças, de 4 e 6 anos, faleceram no acidente. Como processo de luto que durou toda a sua vida, Isadora criou e performou a coreografia Mother, cujos temas eram a perda e o vazio. 

Em Os filhos de Isadora, o diretor Damien Manivel faz uma espécie de docudrama, colocando em cena três mulheres que reconstituem a célebre coreografia. Agathe Bonitzer recria e ensaia de forma solitária, tentando compreender, em frente ao espelho, a imensa dor desta perda. A professora Marika Rizz ensaia a coreografia com sua aluna Manon Carpentier, uma adolescente que sofre de síndrome de down. 

No término da apresentação de Manon, a câmera enquadra em travelling os espectadores, até parar em Elsa Wolliaston. A terceira parte é o grande destaque do filme. A câmera segue Elsa até a sua casa, em um lento e silencioso processo reflexivo sobre a arte. A lentidão e o imenso silêncio colocam o espectador em um estado contemplativo e reflexivo, quase uma imersão irrecuperável na dor de Isadora Duncan. 

Os filhos de Isadora (Les enfants D’Isadora, França, 2019), de Damien Manivel. Com Agathe Bonitzer, Manon Carpentier, Marika Rizzi, Elsa Wolliaston.

Série negra

O filme abre com Franck Poupart em um terreno baldio, o rádio no capô de seu carro. Ele ensaia uma coreografia que mistura dança e representação de luta de facas, em um momento de total descontração. O que Franck não sabe é que o destino está prestes a jogá-lo em uma trama que envolve a paixão por uma adolescente – a femme fatale do cinema noir, que pode terminar em assassinato. 

Frank trabalha como vendedor ambulante e cobrador de dívidas para um agiota. Ele bate na casa de uma velha senhora e, após oferecer seus produtos, é surpreendido pela oferta da proprietária: sexo com Mona, sua sobrinha adolescente, em troca de um casaco. 

Assim como em Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, há uma premissa de justiça. Franck resolve livrar a menina das garras da cafetina, mas novamente é surpreendido: Mona vira o jogo, revelando que a tia tem muito dinheiro guardado em casa e os dois começam a arquitetar o assassinato da cafetina. 

Série negra apresenta personagens que se cruzam em cenas às vezes ingenuamente cômicas – a relação entre Frank e Tikedes, outras vezes em cenas que anunciam a tragédia de quem oscila entre o bem e o mal – o conflito entre Frank e Jeanne no banheiro. O final deixa em aberto as incompreensíveis reações de mentes doentias. 

Série negra (Série noire, França, 1979), de Alain Corneau. Com Patrick Dewaere (Frank Poupart), Myriam Boyer (Jeanne), Marie Trintignant (Mona), Bernard Blier (Staplin), Jeanne Herviale (La tante), Andreas Katsulas (Andreas Tikedes). 

The humans

O cenário é um velho apartamento de dois pavimentos, cuja estrutura ostenta a necessidade de reformas: fios elétricos aparentes, paredes mofadas, luz oscilante, teto ameaçando deixar pedaços pelo chão. A família Blake está reunida para o Dia de Ação de Graças. Durante a noite, marcada por conflitos, revelações, crises depressivas, a família tenta, quase inutilmente, reatar laços. 

As paredes decrépitas do apartamento, as lâmpadas semi mortas, sugerem, ameaçam, insinuam lentamente que a narrativa caminha para o suspense e o terror. Coisas de uma casa que reflete seus imoradores.

The humans (EUA, 2021), de Stephen Karam. Com Richard Jenkins (Erik), Jayne Houdyshell (Deirdre), Amy Schumer (Aimee), Beanie Feldstein (Brigid), Steven Yeun (Richard), June Squibb (Momo). 

The invisible frame

Em 1988, um ano antes da queda do Muro de Berlim, Tilda Swinton e a diretora Cynthia Beatt se uniram em um documentário. A atriz, em um road-movie de bike, percorreu o Muro de Berlim do lado ocidental, buscando vislumbres da outra Alemanha além das paredes.

21 anos depois, a ideia é a mesma, agora sem a demarcação cruel da fronteira. Tilda Swinton percorre livremente vários pontos, em um passeio contemplativo, reflexivo, por ruas, avenidas, parques que outrora foram demarcados pelo muro. A beleza do documentário está neste gesto de liberdade que um passeio de bike representa, deixando o vento ondular os cabelos, o olhar cair livremente sobre estruturas e pessoas, a mente vagar sem amarras.

The invisible frame (Alemanha, 2009), de Cynthia Beatt.