A obra cult de René Laloux usa a fascinante animação de recortes, criada por Roland Topor , e uma fascinante trilha sonora de jazz psicodélico. A narrativa se passa no planeta Ygam, habitado pelos gigantes Draags, cuja pele tem coloração azul. Os Draags vivem em processo de meditação constante, mas, apesar deste avanço psicológico, têm seu lado cruel: eles escravizam humanos, adotando-os como animais de estimação. No entanto, humanos “selvagens”, que vivem escondidos, planejam uma rebelião.
Planeta fantástico segue uma tendência narrativa comum a partir do final dos anos 60, iniciada com o clássico Planeta dos macacos: os humanos é que são tratados como animais, como escravos. Logo na primeira sequência da animação, a crítica severa dá o tom da narrativa: um grupo de crianças Draags mata, como uma brincadeira, uma humana que foge com seu bebê nos braços. Esse menino, narrador da história, será o líder da rebelião.
Planeta Fantástico (La Planète Sauvage, França, 1973), de René Laloux.
Kabul, 2001. O Talibã tomou o poder no Afeganistão e implantou suas extremistas formas de controle. A pré-adolescente Parvana é filha de um professor e de uma escritora, ambos impedidos de trabalhar. Ela acompanha seu pai à feira, onde vendem produtos caseiros. Idress, um jovem que foi aluno do professor, impõe violentamente que Parvana vá para casa e, depois, denuncie o professor. Ele é preso arbitrariamente e sua família, composta pela mulher, outra filha e um menino ainda bebê, não tem mais condições de sequer se alimentar: no regime Talibã, mulheres não podem sair às ruas sem a companhia de um homem, mesmo para comprar comida.
A narrativa de A ganha pão (a animação foi produzida por Angelina Jolie) mescla realismo e fantasia. A alternativa de sobrevivência da família vem de Parvana: ela corta seus longos cabelos, se veste de menino e sai todos os dias para trabalhar, junto com uma amiga da escola, que também se finge de menino. Diante da violência, da inacreditável crueldade dos membros do regime – praticadas até mesmo por jovens como elas -, Parvana conta histórias de um mundo de fantasia, onde um jovem, Suleyman, luta contra seres endiabrados.
A triste sequência final, quando as mulheres da família de Parvana enfrentam seus piores pesadelos nas estradas tomadas pela guerra, aponta uma esperança. Sentimento ilusório como demonstrou a recente retomada do poder pelo regime Talibã no Afeganistão.
A ganha pão (The breadwinner, Irlanda/Canadá, 2017), de Nora Twomey.
É a primeira animação do lendário Miyazaki, realizada antes da fundação do também lendário Studio Ghibli. A trama é baseada no mangá Lupin III, de Monkey Punch, que Miyazaki já havia adaptado como série de TV. O assaltante Arsene Lupin III rouba notas falsificadas em um cassino em Monte Carlo. Junto com seu fiel aliado Jigen, Lupin parte para o Castelo Cagliostro, pequeno reino onde as notas falsificadas são produzidas. A narrativa envolve desejo de vingança, mas muda de rumo quando Lupin conhece Clarisse, jovem destinada a se casar com o malévolo Conde do castelo.
O castelo Cagliostro é uma divertida história com tons medievais das belas princesas que habitam castelos, transitando pelas narrativas de máfias e gangsteres do século XX, ou seja, uma mistura de tons narrativos bem ao estilo de Miyasaki. A animação é repleta de ação, entremeadas por tiroteios, duelos de samurais e lutas corporais. Logo em seu primeiro longa-metragem, Miyazaki provocou furor no universo da animação, anunciando o que viria na sequência: uma sucessão de clássicos criados e dirigidos pelo mestre dos mestres da animação.
O castelo Cagliostro (Japão, 1979), de Hayao Miyazaki.
A jovem Umi Matsuzaki vive em uma pensão no alto da Colina Kokuriko. Logo de manhã, ela avista um barco de pesca no canal abaixo, trocando olhares com o também jovem Shun Kazama, tripulante do barco. O destino dos dois está selado, pois se encontram na escola de ensino médio, onde estudam. O introspectivo Shun lidera um grupo de estudantes que habita após as aulas um prédio abandonado, nos arredores da escola, o Quartier Latin. O interior do velho prédio reflete o comportamento dos estudantes: espaços caóticos, repletos de livros, experimentos e outras quinquilharias. Quando a direção da escola anuncia a demolição do prédio, Umi e suas amigas se juntam aos outros estudantes para limpar e lutar pela preservação do Quartier Latin.
Da Colina Kokuriko é a imersão de Goro Miyazaki – o roteiro do filme é escrito por seu pai, Hayo, pela história moderna do Japão. A trama acontece em 1963, às vésperas das Olimpíadas de Tóquio, quando diversas construções estavam sendo demolidas para dar lugar a espaços modernos, simbolizando a nova Tóquio das Olímpiadas.
A singela história de amor entre Umi e Shun traz belíssimas cenas movidas simplesmente ao olhar, aos gestos sutis, ao espaço cênico dos prédios da escola, da pensão onde a jovem mora, do mar. O conflito entre o velho que precisa ceder seu lugar ao novo é abordado de forma bela e poética nas nuances do relacionamento entre os dois estudantes. Eles tentam manter aquilo que é mais importante: a necessidade perene de lutar pela conservação da beleza, seja de que tempo for.
Da Colina Kokuriko (Japão, 2011), de Goro Miyazaki.
Anna tem 12 anos, é tímida e sofre de asma. Para melhorar a saúde, ela é enviada para uma temporada à beira-mar, na casa de seus tios. Ela passa os dias passeando sozinha pela praia e pelos campos ao redor, buscando inspiração para seus desenhos. Em um desses passeios, conhece a misteriosa Marnie, com quem desenvolve uma amizade que, aos poucos, sugere enigmas do passado e até mesmo uma espécie de ludicidade mágica.
As memórias de Marnie é baseado no romance When Marnie Was There (2014), escrito por Joan G. Robinson. É o último filme do Studio Ghibli antes da reestruturação da empresa, com a saída dos principais animadores do estúdio. A trama remete a memórias da infância que se confundem entre a imaginação e a realidade. O passeio de Anna e Marnie pela praia, pelos campos, a descoberta de um moinho abandonado, imagens que remetem a fragmentos de memórias ou sonhos.
As memórias de Marnie (Japão, 2014), de Hiromasa Yonebayashi.
As imagens são fortes. Homens, mulheres e crianças enfileirados no quintal de uma casa são fuzilados por milicianos libaneses. Escombros escondem corpos mutilados, fogos disparados para o céu de Beirute ajudam a iluminar a noite, facilitando as incursões assassinas dos libaneses por Sabra e Chatila, bairros que serviam como campos de refugiados palestinos. Nos telhados de Beirute, a poucos metros de distância, o exército israelense assiste impassível ao massacre.
É a base da história de Valsa com Bashir. O diretor Ari Folman compôs o filme em caráter biográfico. Folman era soldado do exército israelense e participou da invasão do Líbano no início da década de 80. Seu alter-ego não consegue se lembrar dos acontecimentos em Sabra e Chatila. Mais de vinte anos depois, recorre a ex-combatentes e sobreviventes do massacre para tentar resgatar a memória e se livrar da culpa.
A reconstituição dos fatos é feita primeiro com testemunhas oculares, em forma de depoimentos. As entrevistas são posteriormente animadas no computador, técnica que ganha cada vez mais espaço no cinema contemporâneo, a exemplo de filmes de Richard Linklater e Robert Zemeckis. Mas são as cenas guardadas na memória dos personagens que impressionam: pesadelos surreais, imagens brutais de combates se alternam com passagens líricas, como um soldado dançando uma valsa sozinho no meio de um tiroteio com as imagens do presidente Bashir ao fundo. Em alguns momentos, as cores ofuscam a vista, em outros se transformam num frio contraponto entre amarelo e preto, até o dramático e chocante final, quando o filme ganha uma nova dimensão.
Valsa com Bashir é a composição de memórias que ficariam melhor escondidas. Quando vêm à tona, revelam a crueldade inimaginável de atos criminosos praticados durante as guerras. Filmes assim deveriam servir de exemplo para a construção de um novo tempo, em paz, um mundo em fraternidade religiosa, étnica, civil. Deveriam.
Valsa com Bashir (Vals im Bashir, Israel, 2008), de Ari Folman.
O animador japonês Hayao Miyazaki surpreende o mundo a cada filme que lança. A viagem de Chihiro é sua obra-prima. A pequena Chihiro está em viagem de carro com seus pais. A família se perde na estrada e entra em um parque temático abandonado. Tudo parece deserto, como cidade fantasma. No entanto, os pais encontram refeitório com farta comida. Eles não conseguem resistir, comem até se empanturrarem e, diante dos olhos incrédulos da menina, se transformam em porcos. Cai a noite e espíritos dominam o local, levando Chihiro para uma viagem mágica, perigosa. Nesta viagem, repleta de desafios, Chihiro é guiada por um espírito bom, que ora é menino, ora é dragão.
“A viagem de Chihiro é, de certa maneira, a versão de Miyazaki para Alice no país das maravilhas. As cenas desenhadas à mão pelo diretor e roteirista explodem com energia e inventividade e Miyazaki tira partido da fantástica história para criar dezenas de inimitáveis espíritos e criaturas que vagam por este mundo de regras incompreensíveis e lógica impenetrável. Bebês gigantes fazem pirraça de forma destrutiva. Espíritos maus dão ouro de presente antes de devorar tudo à sua volta. Personagens mudam de forma (e às vezes até de personalidade) sem avisar. Um deles aparece por vezes como menino, dragão e então como espírito do rio. Chihiro demonstra inicialmente perplexidade diante de tais criaturas, mas depois reage com coragem. Logo compreende que precisa se situar nesse estranho mundo para manter as esperanças de voltar para casa. E, assim como os espíritos que ela encontra mudam sua visão sobre a vida, ela também influencia seus comportamento. É uma estranha numa terra estranha, onde os moradores a consideram a mais estranha de todas as criaturas.”
A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, Japão, 2001), de Hayao Miyazaki.
Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Jay Schneider (org.). Rio de Janeiro: Sextante, 2008
A animação comprova que é possível ser original no clicherizado universo dos filmes de super heróis. A trama reúne seis versões do Homem-Aranha vindos de outras dimensões. O protagonista é Miles, garoto negro que vive em conflito com o pai policial e idolatra o tio grafiteiro. Durante uma incursão aos metrôs com o tio para grafitar, Miles é picado por aranha radioativa. Um portal é aberto e juntam-se a Miles as outras encarnações do Aranha: um Peter Parker barrigudo e desiludido, separado da mulher; a Mulher-Aranha Gwen Stacy, o Homem-Aranha noir, um incrível Porco-Aranha e Peni Parker, Garota-Aranha.
Bom humor e reviravoltas dominam a trama. Os aracnídeos combatem o Rei do Crime e devem resolver o problema do portal para que cada um volte à sua dimensão de origem. Além de diversão garantida, a animação toca em questões filosóficas e existenciais envolvendo os personagens da infância à maturidade.
Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: into the spider verse, EUA, 2018), de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothmann.
A família Pêra está lutando nas ruas da cidade contra o poderoso Escavador. A destruição é generalizada e no final da batalha os super heróis são proibidos por lei de usar seus poderes e ficam enclausurados em casa. Entra em cena o milionário Winston Deavor e sua irmã Evelyn com uma proposta: Helena Pêra se juntar a ele e seus artefatos tecnológicos em batalha contra o crime. A ideia é resgatar a legião de super heróis. O problema é que, no primeiro momento, Roberto não pode participar das ações. Ele fica em casa cuidando dos filhos enquanto a mulher se transforma em celebridade, heroína no combate aos criminosos.
A animação continua com o tom ácido de crítica ao universo dos super heróis. A novidade é o controle nas mãos de Helena, enquanto Roberto sofre com as agruras do trabalho no lar. O ponto forte acontece quando o bebê Zezé revela também ser dotado de poderes e protagoniza situações hilárias. Ação frenética e bom humor, receita garantida no universo da animação digital.
Os incríveis 2 (Incredibles 2, EUA, 2018), de Brad Bird.
Wes Anderson toca fundo em questões ambientais e políticas, colocando em evidência temas como totalitarismo, corrupção, lixo tóxico, extermínio de etnias. O cenário é o Japão 20 anos no futuro. Para combater surto de febre entre os cachorros, o prefeito da cidade envia todos os cachorros para uma ilha lixão. Nessa espécie de presídio terminal, os cães formam gangues e duelam entre si por alimento.
Spot, cão de guarda do jovem Atari (sobrinho do prefeito) chega a ilha e se reúne ao bando de Chief. Pouco depois, Atari também desembarca na ilha em busca de seu adorado cachorro. A animação em stop-motion rendeu a Wes Anderson o Urso de Prata de melhor diretor no Festival de Berlim.