Berenice

Os primeiros curtas experimentais de Éric Rohmer destoam de sua carreira como longa-metragista, principalmente a partir das famosas séries Seis contos morais, Comédias e provérbios e Contos das quatro estações. Em Berenice, Rohmer se debruça sobre a narrativa de gênero, adaptando uma história de Edgar Allan Poe. 

O protagonista (interpretado pelo próprio Rohmer) sente uma atração por sua prima Berenice, que se transforma em obsessão quando ele vê os dentes dela. A estética reflete influências claras do expressionismo alemão, demonstrando, neste momento, o trabalho do crítico da Cahiers Du Cinema que se inspira na história do cinema em sua passagem para a realização. A Cahiers Du Cinema está presente também na forma de colabores. O filme foi fotografado e editado por Jacques Rivette, com câmera 16mm, e integralmente rodado na casa de André Bazin.  

Berenice (França, 1954), de Éric Rohmer. Com Éric Rohmer e Teresa Gratia.

Une Étudiante D’Aujourd’Hui

O curta começa com planos fechados de mulheres caminhando pelas ruas, com destaque para livros e pastas em suas mãos. Voz over informa: “No ano acadêmico de 1964/65 houve 123.326 alunas femininas matriculadas nas universidades francesas, representando 43% de todos os alunos universitários. Trinta anos antes, na véspera da Segunda Guerra Mundial, havia apenas 21.136, menos de 30% do corpo estudantil. Atualmente, cada vez mais garotas escolhem entrar para a faculdade, determinadas a acompanhar os garotos o mais rápido possível.”

O documentário, de cerca de dez minutos de duração, acompanha jovens mulheres em seu cotidiano nas universidades, em cafés, sempre com suas pastas e livros nas mãos, no trabalho. A narrativa transita entre universidades de Paris, destaque para a Sorbonne, e escolas nas províncias, demonstrando também o crescente investimento em universidades no interior. Outro ponto que determina a narração e as imagens é o contraponto entre a carreira acadêmica e a vida domiciliar das mulheres. 

Éric Rohmer filmou este curta documental em paralelo com sua série Seis contos morais. Um intervalo no retrato ficcional do cotidiano de seus personagens, acompanhando agora jovens mulheres (que tanto marcam seus filmes) em sua vida real. 

Une Étudiante D’Aujourd’Hui (França, 1966), de Éric Rohmer.

A carreira de Suzane

O segundo filme da série Contos Morais, de Éric Rohmer, é um média-metragem, de cerca de 55 minutos de duração. A narrativa acompanha três jovens parisienses: Bertrand, o narrador da história, seu amigo Guillaume e Suzanne. Os três se conhecem em um café, Guillaume e Suzanne se tornam namorados, vivendo uma relação de conflitos, enquanto Bertrand assiste à relação com um misto de admiração e inveja. 

Rohmer filmou A carreira de Suzane com uma câmera 16mm e elenco de atores amadores. As lentes acompanham as andanças dos três jovens e, eventualmente, outros amigos, pelos pequenos apartamentos, e pelas ruas de Paris. O olhar de Rohmer se volta sem escrúpulos para a vida boêmia da juventude, em relações movidas por entregas e abusos, um retrato desta conturbada década em questões sociais e culturais.

A carreira de Suzane (La carrière de Suzanne, França, 1963), de Éric Rohmer. Com Catherine Sée (Suzane), Philippe Beuzen (Bertrand), Christian Charrière (Guillaume), Diane Wilkinson (Sophie). 

Os Panteras Negras

O curta-metragem de Agnès Varda foi filmado durante o verão de 1968, quando os Panteras Negras se reuniram em manifestações em Oakland, Califórnia. O motivo das manifestações foi chamar a atenção para o julgamento de Huey Newton, um dos fundadores da organização. Huey Newton respondia pela acusação de homicídio de um policial branco durante uma batida policial em um bairro negro de Oakland.

Agnès Varda não se isenta de tomar partido, focando nas manifestações de rua e nos discursos dos líderes dos Panteras Negras. É um documentário sóbrio, tradicional, mas provocativo. A câmera a serviço do real, a edição pontuada por imagens e frases precisas, transformaram o filme em um dos mais importantes registros históricos deste revoltante contexto racista da década de 60 nos EUA. 

Os panteras negras (Black panthers, França, 1968), de Agnès Varda.

A padeira do bairro

Este curta-metragem abre a série Contos Morais de Éric Rohmer. Um jovem estudante de direito se sente fascinado por Sylvie, uma mulher que cruza com ele em dias seguidos nas ruas do bairro. Quando Sylvie desaparece, ele passa a frequentar uma padaria, desenvolvendo uma atração pela atendente do estabelecimento. 

Érick Rohmer apresenta neste curta as características que vão demarcar seus filmes seguintes, separados por séries temáticas: jovens se encontram nas ruas das cidades, nos bares e cafés, no campo, nas belas praias francesas e desenvolvem relações que oscilam entre a amizade e o romance. Debates, reflexões em primeira pessoa, diálogos, enquanto se movem incessantemente, os personagens de Rohmer conversam, divagam, seguem movidos por questionamentos e relações ao acaso. 

A padeira do bairro (La boulangère de Monceau, França, 1963), de Éric Rohmer. Barbet Schroeder, Claudine Soubrier (Jacqueline), Michèle Girardon (Sylvie). 

Saudações, cubanos!

Em dezembro de 1962, Agnès Varda visitou Cuba a convite do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos. Sua estada de pouco mais de um mês no país de Fidel Castro, logo após a revolução, resultou em cerca de quatro mil fotos tiradas por Varda. As fotos foram expostas em Paris, depois a diretora se debruçou em um trabalho minucioso para fazer esta espécie de documentário animado a partir de fotografias. 

É o retrato vivo da Cuba ainda imberbe da revolução, o próprio título determina o olhar de Agnès Varda: o que interessa são as pessoas, os moradores dessa ilha explorada durante décadas pela ditadura de Fulgencio Batista e pela elite americana. Arte, cultura, com destaque para os movimentos musicais, a vida simples de moradores e trabalhadores, as imagens fascinam, encantam, deixam em cada frame a sensação de um sonho, uma utopia. 

Saudações, cubanos! (Salut les cubains, França, 1963), de Agnès Varda.

The hand

O filme de média-metragem de Wong Kar Wai (cerca de 60 minutos) foi lançado como parte de uma trilogia de contos, Eros, junto com dois outros episódios dirigidos por Antonioni e Steven Soderbergh. A narrativa com forte teor erótico acompanha o jovem alfaiate Zhang que, em linha de sucessão de seu mestre, deve fazer os vestidos da bela Sra. Hu. Logo no primeiro encontro, ele é seduzido por ela, em um jogo que mistura prazer e dominação. 

Este primeiro encontro fascina o espectador pela estética característica de Wong Kar Wai – os planos fechados cobertos de cores quase extravagantes do ambiente, a câmera num misto de sensibilidade e fetiche à medida que as mãos da Sra. Hu provocam o jovem alfaiate. O tema do filme é também o envelhecimento do corpo, não da memória: à medida que a doença consome o corpo da Sra. Hu, os dois vão viver nos desejos daquela primeira noite mágica. 

The hand (China, 2004), de Wong Kar Wai. Com Gong Li (Miss Hua), Chang Chen (Zhang), Tin Fung (Master Jin). 

Mur murs

A câmera de Agnés Varda, neste documentário em curta-metragem, percorre as ruas da grande Los Angeles, mostrando murais pintados por artistas anônimos. Os diversos temas traçam um retrato da cidade dos sonhos dos anos 80: violência de gangues, movimentos culturais das ruas, seitas religiosas, marginalizados… 

Como é comum em seus documentários, a cineasta tece comentários sobre as imagens, provocando a reflexão sobre a arte desses artistas anônimos, muitos deles também marginalizados que encontram nas paredes e muros das grandes cidades a possibilidade de se expressar. Muros e murmúrios ecoa como um grito pela beleza e vivacidade das obras. 

Mur murs (França, 1981), de Agnès Varda. 

Ulisses

Em 1954, Agnès Varda produziu e fotografou a famosa cena em uma praia coberta de pedregulhos no Sul da França. Ulisses é o nome do menino sentado, olhando a cabra morta. 

No curta, realizado na década de 80, a cineasta volta ao local da foto, conversa com os protagonistas, buscando as memórias daquele tempo, daquele registro. Através de imagens passadas e presentes, o curta é uma reflexão sobre a natureza de fotografar, sobre memórias perdidas, resgatadas, sobre pessoas simples que são, em determinados momentos, apenas um flash um suas vidas, eternizadas pela arte.  

Ulisses (Ulysse, França, 1983), de Agnès Varda. 

Ao longo da costa

Ainda no início da carreira como cineasta, Agnès Varda realizou este curta documental para o Escritório Francês do Turismo. A câmera passeia de forma descontraída pelas praias, ruas e monumentos da Riviera Francesa. No início a diretora avisa, vamos deixar o burro e a vaca de lado, alusão aos animais dos simples moradores da costa azul, pois o tema do documentário são os turistas que chegam aos milhares no verão europeu. 

Mesmo sendo uma encomenda oficial, o olhar crítico da diretora se traduz em um texto às vezes irônico e imagens simbólicas da imersão turística nas praias ensolaradas, apinhadas de turistas com seus corpos vermelhos expostos ao sol inclemente. 

Ao longo da costa (Du Côté de la Côte, França, 1958), de Agnès Varda.