A caixa de Pandora (1919)

Lulu (Louise Brooks) usa de sua escancarada sensualidade para seduzir os homens que a cercam, entre eles um rico editor de jornal e o filho deste. Impulsiva, não se furtando a escandalizar a sociedade, Lulu gradativamente encaminha todos que se envolvem com ela à decadência física e moral. A caixa de Pandora (1919) é dos mais impressionantes filmes de todos os tempos. A encarnação de Louise Brooks como mulher fatal, de beleza arrebatadora, que exige apenas que a câmera se centre em seu rosto ingênuo, definiu muito do que se entende como erotismo destrutivo no cinema.

“Pabst cerca Brooks de impressionantes coadjuvantes e cenários fabulosos (o espetáculo no abarrotado camarim do cabaré ofusca tudo o que acontece no palco), porém é a personalidade vibrante, erótica, assustadora e comovente da atriz que gera identificação com o espectador moderno. A mistura de imagem e atitude de Brooks possui tanta força e frescor que ela faz Madonna parecer Phyllis Diller. Seu estilo de interpretação impressiona pela ausência de maneirismo para a era muda, dispensando os recursos da mímica e da maquiagem expressionista. Seu desempenho é também de uma extraordinária honestidade, já que nunca apela para a pieguice.”

A caixa de Pandora (Die buchse der Pandora, Alemanha, 1919), de G. W. Pabst. Com Louise Brooks, Fritz Kortner, Francis Lederer, Carl Goetz.

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

O anjo azul

O professor Immanuel Rath (Emil Jannings) imitando o cacarejo de galinha diante de sua suprema humilhação é das cenas mais poderosas do início do cinema sonoro. A trama de O anjo azul foi concebida para aproveitar o sucesso de Emil Jannings, mas revelou ao mundo Marlene Dietrich, com todo o talento dramático e erótico da atriz. O autoritário professor vai ao cabaré que dá nome ao filme procurar e repreender severamente seus alunos que frequentam o lugar atraídos por Lola (Marlene Dietrich). Seduzido por Lola, o professor começa sua jornada rumo à decadência.

“Baseada no romance de Heinrich Mann, esta é uma história sobre a decadência, sobre o ‘movimento descendente’. No decorrer dela, Rath será reduzido a um palhaço quase inumano – espelhando o palhaço que aparece antes no papel de um dos vários duplos irônicos do malfadado herói. Sternberg frisa, com um rigor exemplar e sistemático, a verticalidade das relações de espaço no filme: Rath está sempre em uma posição mais baixa, erguendo os olhos para a imagem de Lola (como quando ela joga sua calcinha em cima da cabeça dele), a não ser quando – numa paródia da sua posição autoritária – é bajulado pelo sinistro diretor do teatro.”

O anjo azul (Der blaue engel, Alemanha, 1930), de Josef von Sternberg. Com Emil Jannings, Marlene Dietrich, Kurt Gerron, Rosa Valetti.

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schn

Macbeth: reinado de sangue

Macbeth: reinado de sangue (Macbeth, EUA, 1948) é um filme de baixo orçamento, feito para a Republic Pictures. A opção de Orson Welles foi trabalhar com estética teatral, a ação transcorrendo toda em estúdio, com cenários expressionistas e pouco movimento de câmera. O castelo de Macbeth é, na verdade, formado por grutas, escadas curvas e grandes espaços vazios, praticamente sem mobiliário, a não ser o trono real, feito de pedras cinzas. A partir deste filme, Welles se consolida como o primeiro grande cineasta independente dos EUA.

O resultado é uma obra marcada pela força das interpretações, principalmente de Orson Welles no papel de Macbeth. A câmera opressora ajuda a caracterização do monarca que enlouquece em sua luta pelo poder. Macbeth está, em várias cenas, muito próximo à câmera, com outros personagens dispostos ao longo dos amplos espaços, definindo visualmente o isolamento gradativo do monarca. A profundidade de campo determina que todos, passo a passo, vão se afastando. A traição ganha contornos simbólicos.

Elipses também estão entre as escolhas criativas de Welles. O assassinato de Duncan é sugerido do lado de fora da gruta, bem como as execuções por decapitação. As imagens mais fortes e sugestivas do filme ficam por conta das bruxas. À medida que prenunciam os feitos diabólicos, o espectador sabe que está diante do mal, resta apenas acompanhar o destino trágico dos personagens que se entregam a sentimentos tão antigos como o próprio texto de Shakespeare: inveja, cobiça, traição.

O gabinete do Dr. Caligari

O Dr. Caligari chega a Holstenwall, pequena cidade do interior da Alemanha, para apresentar sua atração na feira: o sonâmbulo Cesare acorda ao comando do Doutor e faz previsões assustadoras. Ao mesmo tempo, assassinatos começam a acontecer na cidade e a polícia elege Cesare o principal suspeito.

Esta narrativa mesclando policial e suspense se transformou no filme precursor do expressionismo alemão. O filme introduz as principais características estéticas que passam a dominar o gênero terror. A fotografia é estilizada, sombras assustadoras se projetam na parede. Rostos pálidos, recortados no negro, traduzem o medo. O clima gótico sobressai, recriando a noite tenebrosa das cidades. Os personagens são caricaturais, com interpretações teatrais. Por fim, o cenário é deturpado: casas amontoadas, janelas triangulares, móveis de dimensões desproporcionais, paredes sujas, quartos cubiculares, tudo remete ao mundo da arte expressionista.

Em contrapartida, Robert Wiene comanda o filme de forma conservadora, quase como se filmasse uma peça de teatro. “Surpreendentemente, Wiene, menos inovador do que a maioria dos seus colaboradores, faz pouco uso da técnica cinematográfica. (…) O filme se baseia completamente em recursos teatrais, com a câmera fixa no centro, mostrando o cenário e deixando os atores (especialmente Veidt) encarregados de todo movimento e impacto.” – 1001 filmes para ver antes de morrer

O gabinete do Dr. Caligari é um manifesto artístico nestes anos de construção da narrativa e da estética do cinema. A partir de Caligari, fotografia, iluminação, maquiagem e cenário alcançaram o status da arte nas telas do cinema. “O jogo dos atores integra-se à decoração, integrada à maquilagem e ao vestuário, integrados, por sua vez, à iluminação e aos cenários, num conjunto plástico e deformado, como se uma pintura expressionista tomasse vida e se movesse. Esta estilização de todos os elementos dramáticos do filme será designada, desde então, por caligarismo – expressionismo cinematográfico levado às últimas conseqüências.” – As sombras móveis: atualidade do cinema mudo.

O gabinete do Dr. Caligari (Das kabinett des Doktor Caligari, Alemanha, 1919), de Robert Wiene. Com Werner Krauss (Dr. Caligari), Conrad Veidt (Cesare), Friedrich Feher (Francis), Dagover Hans.

Referências:

1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider (editor). Rio de Janeiro: Sextante, 2008

As sombras móveis: atualidades do cinema mudo. Luiz Nazário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999

A morte cansada

Um homem misterioso levanta um enorme muro nos arredores de uma cidade na Alemanha. Nas redondezas, um casal de namorados desfruta de momentos idílicos, festejando a felicidade e o amor, até que o jovem desaparece. Desolada, a jovem sai em busca de seu amado e chega até o muro. Em uma cena impressionante, ela vê seu amado caminhando em direção ao muro, junto com outras pessoas. Ele para diante da jovem com olhar de uma tristeza imensa e atravessa o muro.  

A morte cansada é responsável por consagrar Fritz Lang no início da década de 20, quando o cinema alemão era determinado pelo expressionismo. O roteiro foi escrito por Lang e sua esposa, Thea Von Harbou, e apresenta uma questão dolorosa: o amor é capaz de vencer a morte? 

A jovem, tentando salvar seu amado, atravessa o muro e confronta a morte (o homem misterioso). A morte propõe a ela um desafio: devolve seu amado à vida caso ela consiga salvar a vida de uma pessoa que enfrenta o mesmo conflito, está apaixonada por quem vai morrer. Ela tem três chances, três narrativas paralelas são apresentadas, interpretadas pelos mesmos personagens.  

O ponto forte da película são os cenários impressionantes, a direção de arte e fotografia que remetem a essa linha tênue entre o real e o imaginário (preste atenção nas cenas da jovem soprando as velas que simbolizam o apagar da vida). Destaque também para a interpretação de Bernhard Goetzke que compõe a figura da morte desiludida, apática diante de seu “trabalho”. 

A morte cansada (Mude tod, der, Alemanha, 1921), de Fritz Lang. Com Lil Dagover, Bernhard Goetzke, Walter Janssen.