A Produtora Filmes de Plástico tem colecionado prêmios trabalhando com a estratégia consagrada pelo neorrealismo italiano. Os filmes são rodados em locações, geralmente nos bairros periféricos da cidade de Contagem, mesclando atores profissionais e amadores, muitas vezes os próprios moradores da região atuam nos filmes.
Marte Um é a obra mais badalada desta safra (o filme foi o indicado do Brasil para concorrer ao Oscar de Melhor Filme estrangeiro, mas ficou de fora da lista final). Deivinho é um menino da periferia que sonha em ser astrofísico e participar de uma missão ao planeta vermelho, intitulada Marte Um. No entanto, seu pai, porteiro de um condomínio de luxo, tem outros planos para o filho: ele deve ser jogador de futebol.
A narrativa explora as nuances do gênero melodrama, desenvolvido em torno da família. A grande personagem do filme é Tercia, mãe do garoto, que trabalha como faxineira e passa por vários conflitos psicológicos que podem refletir em consequências sérias para a família. É uma história de transformações e aceitações no âmbito familiar que refletem as próprias transformações da sociedade – infelizmente ainda marcada pela não-aceitação. O final de Marte Um é terno e reflexivo.
Marte Um (Brasil, 2022), de Gabriel Martins. Com Rejane Faria (Tercia), Carlos Francisco (Wellington), Cícero Lucas (Deivinho), Camilla Damião (Eunice), Russo Apr (Flávio), Ana Hilário (Joana).
O filme abre com bela imagem de uma vela de barco vermelha deslizando pela tela em uma paisagem verde. O barco trafega por um canal, Bethânia está em pé, contemplando extasiada a paisagem. Ela está de volta à terra de sua família, uma decadente fazenda da era do açúcar. As terras e o engenho estão envolvidos em dívidas que Bethânia não tem como pagar.
A narrativa perpassa pelos resquícios dos conflitos raciais e sociais originados nos tempo da escravidão. Os moradores, entre colonos e habitantes da vila, a maioria afrodescendentes, mantém uma ONG destinada a preservar e divulgar a cultura negra. O conflito do filme está centrado nas questões psicológicas de Bethânia: ela luta para preservar a fazenda, enquanto resiste em se entregar à sua verdadeira descendência.
A estética de Açúcar é deslumbrante, com destaque para as belas paisagens e imagens oníricas, quase surrealistas, de figuras folclóricas. O final é misterioso, intrigante, aparece o fascínio do duplo.
Açúcar (Brasil, 2017), de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira. Com Maeve Jinkings (Bethânia), Dandara de Morais (Alessandra), Magali Biff (Branca), Zé Maria (Zé).
Filmes rodados em ambiente único, com único personagem, apresentam um grande desafio: controlar o ritmo, o tempo narrativo.
“Assim parece indiscutível que o cinema é primeiramente uma arte do tempo, já que é esse o dado mais imediatamente perceptível em todo esforço de apreensão do filme. Isso se deve, sem dúvida, ao fato de que o espaço é objeto de percepção, enquanto o tempo é objeto de intuição. O espaço é um quadro fixo, rígido e objetivo, independente de nós, e nos encontramos no espaço (representação) do filme da mesma forma que nos encontramos no espaço real. Ao contrário, se o tempo é também um quadro fixo, rígido e objetivo (implica um sistema de referência social: horas, dias, meses, anos), apenas a duração possui um valor estético, e embora estejamos no tempo, a duração, propriamente, está em nós, fluída, contráctil e subjetiva.” – Marcel Martin.
Em 127 horas (127 hours, EUA, 2010) de Danny Boyle, a ação transcorre em um único espaço: no cânion Blue John, em Utah. Aron Ralston (James Franco) é ciclista/alpinista cujo divertimento, desde criança, é escalar as rochosas. Na primeira parte do filme, pedala solitário pelo deserto de pedras, encontra uma dupla de amigas, se divertem momentaneamente em um lago de caverna, se despedem e Aron parte em sua jornada rumo ao imprevisível. Para o espectador não há mistério: sabe-se que Aron vai ficar preso pelo braço na confluência de duas rochas e o desfecho da história (real, baseada na história do alpinista) é um lento e inacreditável processo de auto-imolação.
Cinco covas no Egito (Five graves to Cairo, EUA, 1943), de Billy Wilder, narra a luta solitária do cabo inglês John J. Bramble (Franchot Tone) para conseguir informações sobre a localização secreta de um armazém de suprimentos do exército alemão no deserto. O cabo Bramble assume a identidade de um criado do hotel onde os nazistas estão hospedados e ganha, aos poucos, a confiança de Rommel (Erich Von Stroheim). A trama aborda o embate psicológico entre Rommel e o oficial inglês.
Em Ratos do deserto (The desert rats, EUA, 1953), de Robert Wise, oficial inglês (Richard Burton) lidera destacamento australiano no deserto. Eles enfrentam arriscadas missões para atrasar o exército de Rommel (James Mason) em sua investida contra Tubruk. O pequeno destacamento usa técnicas de guerrilha, os soldados se escondem nas rochas e buracos na areia, daí os ratos do deserto.
Erwin Rommel (1891/1944) ficou conhecido como raposa do deserto devido a astúcia no comando dos exércitos alemães e italianos que tentavam dominar o norte da África durante a Segunda Guerra Mundial. Perto do final da guerra, Rommel foi acusado de traição. Hitler, considerando seu histórico e prestígio, faz a ele uma proposta: ao invés de ser submetido a julgamento, cujo veredito certamente seria a condenação à morte, Rommel poderia dar fim à própria vida, salvando com esse ato seus familiares. Rommel aceita e ingere veneno.
O marechal-de-campo alemão faz parte dessa galeria de personagens de guerra que o cinema retrata com dubiedade. Nos dois filmes citados acima, Rommel é tratado com respeito, mas ao mesmo tempo as interpretações de Erich Von Stroheim e James Mason refletem um oficial atormentado e obsessivo, disposto a vencer a guerra a qualquer custo.
Há uma diferença fundamental na caracterização de oficiais aliados e de nazistas feita pelos filmes de guerra anteriores à década de 60. Os oficiais aliados são estrategistas inteligentes e sensíveis ao sofrimento do exército e, mesmo quando ordenam investidas suicidas, conseguem associar o ato ao heroísmo característico dos filmes de guerra. Os oficiais alemães também são grandes estrategistas, no entanto com uma inteligência doentia e cruel, capazes de ordenar massacres hediondos em busca da vitória.
Nos anos sessenta houve a revisão conceitual dos filmes de guerra americanos, motivada pela guerra do Vietnã. Importantes filmes caracterizaram oficiais aliados também perturbados psicologicamente. O mais significativo foi Patton – rebelde ou herói? (Patton, EUA, 1970), de Franklin J. Schaffner. É um filme biográfico sobre o general americano Patton (1885/1945). “Como poeta, assassino treinado e acólito da reencarnação, ele é um enigma cuja sensibilidade radicalmente dissidente era interessante na época da Guerra do Vietnã, tanto para seus opositores como para seus defensores.” – 1001 filmes para ver antes de morrer.
Em todos esses exemplos, estamos falando de personagens reais. Durante as guerras nas quais participaram, estes oficiais comandaram batalhões, foram responsáveis diretos pelas mortes de milhares de soldados de ambos os lados, assim como de civis, às vezes para conquistar apenas alguns quilômetros de território. A história se encarrega de glorificar atos cruéis e desumanos e para isso se serve da grandiosidade de algumas cenas de cinema.
Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider (org.). Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
Cinco bandidos estão em um quarto de hotel combinando o grande golpe. Batidas na porta. Sweed (Burt Lancaster) entra, a câmera o enquadra em plano fechado. Ele cumprimenta os bandidos um a um. Ouve-se voz feminina:
– Olá, Sweed. – plano de segundos mostra Kitty Collins (Ava Gardner) sentada na cama, os cabelos negros caindo sobre o ombro esquerdo, as duas mãos apoiadas no colchão, as pernas dobradas à frente em posição horizontal, o vestido pouco acima dos joelhos, deixando à mostra pernas e pés descalços da atriz. Sweed se surpreende com a presença de Kitty e se senta na cama. A câmera enquadra o ator em primeiro plano. Kitty está agora deitada com o cotovelo apoiado na cama, olhando Sweed. Folheia displicentemente uma revista, seu olhar alternando entre as páginas e o bandido à sua frente.
Uma das magias do cinema em casa é poder parar as cenas em determinados momentos. Visualizar por tempo indefinido os detalhes que ajudaram a criar a femme fatale, das personagens mais provocativas da história do cinema: olhar sedutor, decotes insinuantes, posições em camas e cadeiras libertando a imaginação erótica, braços, pernas e pés nus (bastava isso), jeito de fumar com conotações que você conhece bem.
Assassinos (The killers, EUA, 1946), direção de Robert Siodmak. O ex-boxeador Sweed se entrega ao mundo do crime após conhecer Kitty. Ela é namorada de famoso bandido e vive de aplicar pequenos golpes. Na cena do quarto, o boxeador acabara de cumprir três anos de prisão após acobertar um roubo de Kitty.
O filme, baseado em história de Ernest Hemingway, é dos grandes representantes do film noir, gênero que marcou a cinematografia americana dos anos 40. Fotografia em preto e branco com tons escuros (influência do expressionismo alemão), grande parte das filmagens realizadas em interiores, narrativas policiais marcadas por personagens cínicos, sarcásticos – mostrando o frio e sádico submundo do crime. A femme fatale predomina em três clássicos do film noir, todos da década de 40. Um deles é Assassinos, os outros são Gilda (1946) e Pacto de sangue (1944).
Gilda, direção de Charles Vidor. Rita Hayworth é a sedutora cantora de cabaré que motiva um dos triângulos amorosos mais complexos da história do cinema, passível de interpretações hetero e homossexuais. Johnny Farrell (Glenn Ford) trabalha para Ballin Mundson (George Macready), dono de cassino em Buenos Aires. Mundson viaja a negócios e volta casado com Gilda, que fora amante de Johnny. A história do filme não é grande coisa, mas cada frame e cada frase de Rita Hayworth ajudam a entender a expressão mulher fatal. Ruy Castro define o fascínio de gerações por Gilda:
“E não se tratava apenas de imitar o seu jeito quase imoral de jogar o cabelo, de transformar inocentes saboneteiras numa tentação erótica ou de fumar como se cada lenta baforada contivesse um secreto significado. Era algo mais profundo e complexo: tentar apossar-se do seu fogo gelado, se se pode chamá-lo assim – a capacidade de inflamar uma paixão e, ao mesmo tempo, esnobar o ser inflamado a ponto de reduzi-lo à servidão total, ao nada.”
Pacto de sangue, direção de Billy Wilder. Barbara Stanwyck seduz um honesto vendedor de seguros, levando-o a assassinar seu marido para que ela receba a milionária apólice de seguros. No bem comportado cinema americano da época, fiscalizado por censores que cortavam até casais vestidos deitados na cama, história assim só poderia ser concebida no film noir: “O pacato e simpático vendedor transforma-se em um assassino frio e calculista, quando, no final do mês de maio, conhece a loura fatal Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck).” – Ana Lúcia Andrade.
Você pode perguntar porque não se fazem mais filmes assim, com todo esse glamour irresistivelmente sedutor e fatal. Porque não existem mais atrizes como Rita Hayworth, Ava Gardner e Barbara Stanwyck. E nem mulheres como Gilda.
REFERÊNCIAS
Entretenimento inteligente. O cinema de Billy Wilder. Ana Lúcia Andrade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
Um filme é para sempre. 60 artigos sobre cinema. Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Gosto do Kieslowski poético da trilogia das cores e, principalmente, do belo Não amarás (1988). Mesmo trabalhando no aspecto político-experimental, o diretor polonês não deixa de lado o cinema de poesia.
Cinemaníaco (Amator, Polônia, 1979) retrata Lodz, cidade do cineasta. Filip, funcionário de uma fábrica, compra uma câmera de cinema e faz filmes caseiros. Os filmes agradam ao diretor da empresa que passa a financiá-lo e também a controlar as produções de Filip. Sugere fitas favoráveis ao partido, à cidade, determina cortes de cenas. Visto assim, Cinemaníaco pode ser um simples filme sobre ditadura e censura no leste europeu. É mais do que isso.
Filip fica aos poucos obcecado com as imagens cotidianas que capta. Trabalhadores em frente a sua casa. Um operário da fábrica – deficiente físico, em seu dia-a-dia de trabalho e lazer. As fachadas de prédios de sua cidade pintadas para impressionar na TV. No momento das filmagens, é um Filip entusiasta, alegre, ingênuo. A câmera na mão, enquadrando as paisagens urbanas e seus personagens. À medida que vê as imagens projetadas, o personagem se transforma em um Filip reflexivo, amargurado. Consciente de sua incapacidade, busca sentido em debates sobre cinema. Aos poucos, a vida tranquila com a qual sonhara desmorona. Sua mulher o abandona e o único gesto de que Filip é capaz, neste momento, é enquadrá-la com as mãos, simulando a câmera de cinema.
John Wayne foi o mais americano dos atores, talvez o mais americano dos americanos. Trabalhou em cerca de 150 filmes e foi protagonista dos melhores faroestes. Pelo menos três filmes, todos dirigidos por John Ford, estão entre os melhores do gênero: No tempo das diligências (1939), Rastros de ódio (1956) e O homem que matou o facínora (1962).
Apesar de inúmeros filmes lendários, John Wayne ganhou o Oscar de melhor ator no final da carreira por Bravura indômita (1969). O prêmio é visto como uma homenagem da academia ao querido ator. Três cenas inesquecíveis provam esse fascínio, essa paixão que John Wayne provocava no público.
No tempo das diligências. A diligência atravessa o Monument Valley, a fotografia em preto e branco do árido oeste. O xerife e o condutor, na boléia, conversam animados. De repente, o condutor freia os cavalos assustado. A câmera se desvia para a estrada à frente. Um zoom descontrolado, tremido, como nas mãos de um cinegrafista também assustado, focaliza o pistoleiro Ringo Kid (John Wayne) parado no meio da estrada com um rifle nas mãos. Foi sua primeira aparição de destaque no cinema. Tomou conta da tela e do imaginário do público.
Rastros de ódio. Ethan Edwards (John Wayne) passa cinco anos procurando sua sobrinha (Natalie Wood) raptada pelos índios. Dominado pelo preconceito, seu objetivo é matar a sobrinha. Não tem condições de aceitá-la após viver tanto tempo com os apaches. Quando a encontra, persegue a menina pelo deserto até acuá-la num buraco entre as rochas. Ela olha para Ethan assustada, o medo estampado em cada feição. Ethan, após alguns segundos, guarda a arma, pega a sobrinha pela cintura e a levanta acima de sua própria cabeça, com a facilidade e leveza de quem brinca com uma criança amada. O rosto voltado para cima, na direção da sobrinha, ele diz, “vamos para casa”.
A terceira cena é também de Rastros de ódio. Ethan deixa a sobrinha na casa de seus parentes. Não entra. Fica do lado de fora da porta, contemplando a alegria do reencontro. Volta-se e desce os degraus da varanda. A câmara, colocada no umbral da porta, filma o pistoleiro se afastando de costas. Solitário, condenado a uma vida errante. Não há mais lugar para o pistoleiro. Não há mais cowboys como JOHN WAYNE.
Quando terminou as filmagens de Soberba (The Magnificent Amberson, EUA, 1942), o diretor Orson Welles embarcou para o Brasil a convite do presidente Roosevelt na tentativa de estreitar as relações dos EUA com a América do Sul, considerada posição estratégica durante a Segunda Guerra Mundial. Entusiasmado com a ideia e com a possibilidade de fazer um filme sobre o carnaval brasileiro, Welles viajou deixando a finalização de Soberba a cargo do montador, na esperança de poder controlar o processo à distância.
O filme foi montado e apresentado numa sessão de pré-estréia. Os produtores não gostaram da recepção do público e exigiram nova montagem. Aconteceu então um dos maiores crimes da história do cinema. Foram cortados 45 minutos do original, a famosa seqüência do baile, gravada por Welles durante 10 minutos sem cortes, em um único rolo, foi cortada e remontada, os atores foram chamados para regravar seqüências inteiras que não constavam do roteiro original e o mais impressionante, foi rodado novo final. Tudo isso sem a presença e autorização de Orson Welles. O nome do montador a quem Welles confiara a finalização do trabalho e que depois cortou e remontou o filme: Robert Wise.
Esta história é uma mancha na carreira de Robert Wise, pois ele se tornou um dos grandes realizadores do cinema americano. Em 1953, já como diretor, Wise dirigiu O dia em que a terra parou (The day the earth stood still, EUA, 1953), clássico da ficção científica. Nave alienígena pousa na terra e seu tripulante, Klaatu, exige que os governantes parem com a corrida armamentista, cessem a construção de foguetes nucleares, que se constituem numa ameaça à paz universal. Do contrário, todos os terráqueos serão exterminados. Para demonstrar seu poder, ele faz com que tudo na terra pare por alguns minutos. Em tempos de guerra fria, um apelo à paz entre os homens.
A escritora, roteirista e diretora Marguerite Duras experimenta a transposição puramente literária para o cinema em Baxter, Vera Baxter. A narrativa coloca em cena praticamente duas personagens em longos diálogos, com estilo literário, sobre as angústias e frustrações dos relacionamentos amorosos.
Vera Baxter mora em uma luxuosa casa de campo alugada por seu marido. Ela recebe a visita de uma mulher que deve acompanhá-la ao encontro de seu amante, Michel Cayre. Vera passa o filme quase todo sentada no sofá, entabulado conversas frias e ao mesmo tempo plenas de significados com essa mulher desconhecida. A música de uma festa na casa vizinha invade o ambiente repetidamente. Inserts de Vera nua na cama compõem a trama dessa mulher reservada e enigmática, que, possivelmente, foi cedida como dívida de jogo por seu marido ao amante Michel Cayre. A película exige a entrega do espectador às reflexões literárias provocadas pelos densos diálogos.
Baxter, Vera Baxter (França, 1977), de Marguerite Duras. Com Claudine Gabay (Vera Baxter), Delphine Seyrig (a desconhecida), Gérard Depardieu (Michel Cayre)..
Orgulho e Paixão (The Pride and the Passion, EUA, 1957), de Stanley Kramer. Em 1810, as tropas francesas de Napoleão invadem a Espanha. Grupo de rebeldes, liderados por Miguel (Frank Sinatra), atravessa 100 quilômetros do país transportando um canhão gigante para tomar Ávila, cidade ocupada pelos franceses e protegida por muros intransponíveis. Em Ávila, oficial francês tenta obter informações dos moradores sobre o paradeiro de Miguel. O oficial está à frente de civis. Diante da recusa dos moradores em colaborar, ele ameaça:
– Muito bem, um exemplo deve ser estabelecido. Eu vou começar enforcando 10 de vocês. Depois de um dia, enforcarei mais 10 e mais 10. Se necessário, as mulheres e as crianças de Ávila. Até que uma língua se solte e me digam onde está o canhão. – os moradores continuam silenciosos, um espanhol cuspe no chão.
– Execute a ordem. – determina o oficial. Dez espanhóis são escolhidos para o primeiro enforcamento.
Cenas como essas são comuns em situações de guerra. O cinema retratou várias delas. Em Dr. Jivago (EUA, 1965), de David Lean, tropas do exército vermelho queimam povoados do interior da Rússia e fuzilam moradores, acusando-os de colaborar com o exército branco. Militares costumam chamar esses assassinatos de perdas colaterais na guerra.
Durante a segunda guerra mundial, histórias desse tipo se repetiram. Na Iugoslávia ocupada pelos nazistas, o general Mihailovic comandava a resistência.
“Como líder guerrilheiro, Mihailovic sofreu com o fato de muitos de seus seguidores serem pessoas conhecidas, com parentes e amigos na Sérvia, com propriedades e ligações reconhecíveis em outros locais. Os alemães adotaram uma política de chantagem homicida. Retaliavam as atividades guerrilheiras através do fuzilamento de lotes de quatrocentas ou quinhentas pessoas escolhidas a dedo em Belgrado.” – Winston Churchill.
Durante o levante de Varsóvia, em 1944, os alemães fuzilavam civis nas ruas, tentando intimidar os rebeldes. Do livro de Churchill, outro relato aterrorizante, feito por uma testemunha ocular através de telegrama.
“Os batalhões de tanques alemães, na noite passada (11 de agosto), fizeram esforços decisivos para libertar algumas de suas fortalezas na cidade. Mas essa não é uma tarefa simples, já que em cada esquina ergueram-se enormes barricadas, em sua maioria construídas de pedaços de concreto arrancados do calçamento das ruas especialmente para esse fim. Na maioria dos casos, as tentativas fracassaram, de modo que as guarnições dos tanques deram vazão a seu desapontamento ateando fogo a diversas casas e bombardeando outras à distância. Em muitos casos, também atearam fogo aos mortos, cujos corpos recobrem as ruas em muitos locais. (….) Quando os alemães usaram tanques para levar suprimentos a uma de suas fortalezas, obrigaram quinhentas mulheres e crianças a caminhar na sua frente, para impedir que os soldados (poloneses) lhes dessem combate. Muitas delas foram mortas e feridas. Relatos sobre o mesmo tipo de ação vieram de muitas outras partes da cidade.”
Referência: Memórias da Segunda Guerra Mundial. Winston S. Churchill. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995