Um homem com uma câmera

O documentário é o mais impressionante registro das imagens aceleradas que compõem o dia a dia de uma metrópole. Dziga Vertov coloca seu cinegrafista em posições que o permitem filmar de pontos de vista inacessíveis para o transeunte da cidade agitada. No capô de um carro, em cima de trens, no alto de pontes. As imagens são aceleradas, às vezes retrocedem, outras a tela se divide em duas. O cinegrafista é visto executando seu trabalho. Estamos, portanto, falando de cinema moderno.

“O filme mostra nascimento, morte, casamento e divórcio, cada qual em um piscar de olhos. Vertov acreditava que a câmera de cinema podia mergulhar no caos da vida moderna e descobrir significados ocultos a olho nu. Para alcançar esse objetivo, ele usou todas as técnicas cinematográficas disponíveis, como tela dividida, câmera lenta e reversa, jump cuts, superposições e até mesmo animação.” – Tudo sobre cinema.

Um homem com uma câmera traduz este espetacular final da era do cinema mudo, capaz de revoluções narrativas e estéticas que definiriam o futuro do cinema. O cine-olho de Vertov apresenta ao espectador um mundo ao mesmo tempo deslumbrante e perturbador. Ao término da sessão, torna-se impossível não refletir sobre a movimentação frenética e desumana que impele o homem em um dia na cidade grande.

Um homem com uma câmera  (Chelovek s kino-apparatom, URSS, 1929), de Dziga Vertov.

Referência: Tudo sobre cinema. Philip Kemp (ed.). Rio de Janeiro: Sextante, 2011.

Cinema olho

Dziga Vertov foi um dos cineastas mais radicais da chamada vanguarda russa, cujo expoente maior é Sergei Eisenstein. Pioneiro do cinema documentário, Vertov defendia o cinema sem atuação, a responsabilidade dramática de evidenciar questões sociais estaria no poder da câmera em suas mais diversas possibilidades de ângulos, planos e movimentos, conjugados na montagem revolucionária que imprimiu como sua marca documental. 

Cinema olho é um dos experimentos de seu grupo de jovens cineastas, intitulado Kinoks (Cine-0lhos).  De forma inovadora para a época, o filme transforma em manifesto político o retrato da vida dos moradores de uma pequena vila soviética. Vertov usa técnicas de montagem inventivas para criar um dos filmes mais representativos da sua forma de pensar o cinema. A película registra o cotidiano de pequena aldeia na URSS, centrada em jovens revolucionários que propagam a solidariedade, o uso de cooperativas, desafiando o sistema. No início, cartela alerta: “Primeiro filme realista sem roteiro, sem atores, fora do estúdio.”

Dividido em episódios, Cinema-Olho começa com a alegre dança das mulheres nas ruas da aldeia, enquanto meninos colam cartazes sobre a cooperativa. A partir daí, a vida cotidiana dos aldeões é retratada em planos e ângulos inusitados, elaboradas fusões e montagem irreverente, em determinados momentos as cenas retrocedem, para mostrar como “O Cinema-Olho faz o tempo andar de trás para a frente.” A dúvida que permanece ainda hoje é: até que ponto o cinema documental pode interferir na realidade, manipulando as imagens com irreverência e ousadia para colocar em pauta o ponto de vista do documentarista. Sem respostas, melhor se extasiar diante do brilhantismo de Dziga Vertov. 

Cinema olho (Kinoglaz, Rússia, 1924), de Dziga Vertov. 
Referência: Tudo sobre cinema. Philip Kemp. Rio de Janeiro: 2011.