O beco do pesadelo

O filme abre com uma sequência enigmática: Stanton Carlisle joga um cadáver no buraco aberto no assoalho de uma sala e, a seguir, coloca fogo na casa. De longe, no campo, observa as chamas tomando conta do horizonte. 

Após o prólogo, a narrativa é dividida em duas partes. Na primeira, Stanton consegue trabalho em um circo, cujos espetáculos variam dos tradicionais números de mágica a exibições de aberrações, como o selvagem que mata e come uma galinha. Stanton se torna amante da vidente Zeena e aprende com seu marido a arte da adivinhação através das cartas. Ele se apaixona pela jovem Molly, também artista do circo, e os dois fogem.

Na segunda parte, Stanton é um vidente de sucesso, rico, ganha a vida em apresentações em clubes e fazendo apresentações particulares para a elite endinheirada. O vigarista começa uma perigosa relação amorosa com Lilith, advogada ambiciosa e inescrupulosa que frequenta a alta sociedade. 

A galeria de personagens circenses da primeira parte da narrativa é o grande destaque do filme. Pessoas que transitam entre a arte e a marginalidade, cometendo atos violentos e grotescos em favor da sobrevivência mambembe, enquanto vivem na ilusão deste mundo miserável, porém, glamouroso. O final surpreendente une as duas partes, demonstrando o apego de Guillermo Del Toro às características básicas da narrativa clássica: transformação de personagem, estrutura circular, a jornada física e psicológica do protagonista por um mundo repleto de obstáculos cruéis e, como revela o final, desumano. 

O beco do pesadelo (Nightmare alley, EUA, 2021), de Guillermo Del Toro. Com Bradley Cooper (Stanton Carlisle), Cate Blanchett (Lilith Ritter), Toni Collette (Zeena), Willem Dafoe (Clem), Richard Jenkins (Ezra Grindle), Rooney Mara (Molly), Ron Perlman (Bruno), Mark Povinelli (Major). 

Cronos

Guilhermo Del Toro é essencialmente um cineasta das imagens. Trata seus filmes com um apuro visual e técnico de encher os olhos. Em Cronos, seu primeiro filme, essa marca já está lá, como a anunciar um dos grandes estetas do cinema, consagrado posteriormente em obras como HellboyA colina escarlateA forma da água e, acima de tudo, O labirinto do fauno

Cronos abre com a história de um alquimista espanhol que, fugindo da inquisição, vai parar em Vera Cruz, México. Sua vida é dedicada a pesquisar a imortalidade, isso resulta em um invento chamado Cronos, dispositivo mecânico similar a um inseto. Corta para os anos 90, um estranho é encontrado morto após o desabamento de um prédio. É o alquimista. Corta para uma loja de antiguidades onde estão Jesus Grill e sua neta, a silenciosa Aurora.

A história em si não apresenta muitas surpresas. É a releitura de Del Toro do mito do vampiro. Jesus Grill encontra e experimenta o dispositivo. Ele passa por mutações físicas e psicológicas, seu corpo cada vez mais necessitado do Cronos, enquanto sua mente e seus sentimentos relutam. A ação da trama acontece com a entrada de Angel, espécie de capanga do velho e rico Dieter de la Guarda, moribundo que passa a vida procurando pelo dispositivo do alquimista.

Os conflitos psicológicos do protagonista remetem a dois outros grandes filmes sobre imortalidade deste período: Highlander e Sede de viver

A direção de fotografia de Guillermo Navarro imprime à trama um misto de fascínio, tristeza e repulsa, afinal, cenas escatológicas também marcam o cinema de Del Toro. Atenção para as belas sequências da pulsante engrenagem dentro do inseto dourado e para a sequência do banheiro durante a festa de virada de ano. Poucas vezes o cinema de vampiro foi tão impactante.

Cronos (México, 1993), de Guillermo Del Toro. Com Federico Luppi (Jesus Grill), Claudio Brook (Dieter de la Guarda), Ron Pearlman (Angel), Aurora (Tamra Shanath).