De volta ao pequeno apartamento

Após o clássico Os sapatinhos vermelhos (1948), a dupla Powell e Pressburger se volta para uma história simples, mas potente devido ao contexto histórico. Durante a Segunda Guerra Mundial, Sammy Rice trabalha em um departamento de pesquisa de tecnologia na Inglaterra. Ele é especialista em desarmar bombas e recebe a incumbência de auxiliar o Capitão Stuart para descobrir os mecanismos de desarmamento de uma complexa bomba alemã, que se assemelha a uma garrafa térmica. A bomba estava sendo colocada em locais de circulação de civis, vitimando inclusive crianças. 

A grande sequência do filme é a tensão lenta, angustiante, de Sammy tentando desarmar uma das bombas na praia. A narrativa também aborda os problemas pessoais do especialista. Ele é alcoólatra, vive em seu pequeno apartamento com Susan, que tem papel decisivo em sua vida. Susan ajuda o namorado a combater o vício e a insegurança diante de sua capacidade profissional. De volta ao pequeno apartamento reflete o nome: um filme simples, mas que retrata um momento de profundas angústias individuais e sociais, quando se destacam atos às vezes heróicos, outras vezes simples, na tentativa de preservar a humanidade. 

De volta ao pequeno apartamento (The small back room, Inglaterra, 1949), de Michael Powell e Emeric Pressburger. Com David Farrar (Sammy Rice), Kathleen Byon (Sasan), Michael Gough (Dick Stuart), Milton Rosmer (Prof. Mair).

Contos de Hoffmann

A ópera em technicolor de Powell e Pressburger é um deleite para o olhar e para os ouvidos. Em um bar, o poeta E. T. A. Hoffmann relembra e conta para seus amigos as três mulheres que fizeram parte de seus intensos relacionamentos amorosos. 

Olivia é uma boneca mecânica, controlada por seu pai e um inescrupuloso construtor de brinquedos. Giuletta é uma cortesã veneziana, sedutora, espécie de femme fatale que seduz e manipula seus amantes. Antonia é uma aspirante a cantora, filha de um compositor famoso, ela tem sérios problemas de saúde e depende de um médico que a usa para experimentações.

O prólogo e as três histórias são narradas inteiramente pelas músicas, com a fotografia e direção de arte características do technicolor: cores resplandecentes, exuberantes, de contrastes agressivos. Os cenários são de encher os olhos do espectador, representando simbolicamente as naturezas de cada uma dos amores de Hoffmann. Cinema, teatro, ópera, dança e música, Contos de Hoffmann é um filme que penetra em todos os sentidos. 

Contos de Hoffmann (The tales of Hoffmann, Inglaterra, 1951), de Michael Powell e Emeric Pressburger. Com Moira Shearer, Robert Rounseville, Ludmilla Tcherina, Ann Ayars, Pamela Brown. 

A tortura do medo

O filme quase acabou com a carreira do influente Michael Powell (Sapatinhos vermelhos). A crítica e a sociedade não aceitaram o tema e o tratamento visual ousado: através do ponto de vista subjetivo, o espectador se vê diante do terror. 

Lewis Mark é um cameraman assistente em um estúdio de cinema. Logo na primeira sequência, o espectador acompanha, pela lente de sua câmera cinematográfica, o assassinato de uma prostituta. Na abertura, Michael Powell apresenta um psicopata que filma seus assassinatos. Desejos sexuais, traumas de infância, a incontrolável ânsia de matar, cena a cena Mark revela sua mente atormentada, com uma surpresa nos momentos finais. Martin Scorsese declarou que A tortura do medo é “um dos grandes filmes sobre cinema.”

“Talvez tenham sido as motivações ambíguas do personagem que afastaram as plateias, ou talvez o fato de que um diretor tão querido quanto Powell tivesse voltado seus olhos para um tema tão sinistro e surpreendente. Mas também poderia ter sido o fato de que está sutilmente implícito que o espectador, um colega voyeur, é de certa forma um cúmplice de Mark em seus feitos mortíferos, ao se sentir atraído por suas atrocidades perversas e por estar, de certa forma, permitindo que aconteçam.”

A tortura do medo (Peping Tom, Inglaterra, 1960), de Michael Powell. Com Karlheinz Bohm (Mark Lewis), Anna Massey (Helen Stephens), Moira Shearer (Vivian), Maxine Audley (Mrs Stephens). 

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

Os sapatinhos vermelhos

É dos mais deslumbrantes musicais de todos os tempos. Victoria Page (Moira Shearer), jovem aspirante a bailarina, cai nas graças do empresário Boris Lermontov (Anton Walbrook). Após performance antológica de Victoria em um musical baseado na história de Hans Christian Andersen, Bóris decide transformá-la na maior bailarina de todos os tempos, mas ela deve abdicar de sua vida pessoal e se dedicar integralmente à arte.

Passo a passo, mestre e pupila desenvolvem relação de amor e ódio, encaminhando a narrativa para a tragédia anunciada pelo próprio balé que consagrou Victoria.  Os números musicais são repletos de experimentações pictóricas, coreografia, direção de arte e interpretações solos e coletivas dos dançarinos em perfeição estética raras vezes vistas no gênero.

“A heroína é cercada por telas de fundo estranhas, dignas de contos de fadas, para o exuberante balé, porém, o desenhista de produção Hein Heckroth, o diretor de arte Arthur Lawson e o fotógrafo Jack Cardiff trabalham duro para tornar as cenas fora dos palcos aparentemente normais tão ricas e exóticas quanto os momentos de destaque no teatro. (…). Contando com cores brilhantes maravilhosas, uma seleção de músicas clássicas que fogem ao clichê e um viés sinistro que captura perfeitamente a ambiguidade do tradicional, ao contrário dos contos de fadas da Disney, esta é uma obra-prima exuberante.”

Os sapatinhos vermelhos (The red shoes, Inglaterra, 1948), de Michael Power e Emeric Pressburger. Com Anton Walbrook, Marius Goring, Moira Shearer, Robert Helpmann.

Fonte: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider (editor geral). Rio de Janeiro: Sextante, 2008.