O ornitólogo

Fernando está sozinho na selva, observando pássaros. Durante uma travessia de caiaque pelo rio, ele é surpreendido pela correnteza e se acidenta. Quando acorda, na margem, está perdido. 

É o início de uma jornada espiritual, metafísica, durante a qual Fernando se defronta com pessoas estranhas e perigosas. Duas jovens chinesas, fanáticas religiosas, o amarram e ameaçam castrá-lo. Um jovem mudo, chamado Jesus, é pastor de cabras. Os dois vivem um momento amoroso que termina tragicamente. Um grupo de amazonas nuas se dispõe a guiar o ornitólogo para fora da floresta, mas ele recusa. 

O filme de João Pedro Rodrigues é uma releitura do mito português de Santo Antônio. A jornada de Fernando é uma jornada de autodescoberta, transformação, se entrega à espiritualidade em uma comunhão entre homem e natureza. A obra exige a entrega contemplativa e espiritual que o cinema incentiva. 

O ornitólogo (Portugal, 2016), de João Pedro Rodrigues. Com Paul Hamy (Fernando), João Pedro Rodrigues (Antonio), Xelo Cagiao (Jesus), Han Wen (Fei), Chan Suan (Ling).

Colo

A adolescente Marta vive os conflitos típicos da idade, agravados por um fato: o pai da jovem está desempregado, a mãe busca o sustento da família trabalhando em dois empregos. Outra adolescente, Júlia, está grávida e vai passar um tempo na casa de Marta. 

A película de Teresa Villaverde compõe o sensível painel do atual cinema europeu que aborda as questões do desemprego, do subemprego, das burocracias do estado que não sabe lidar com seus cidadãos em busca de auxílio depois que perdem as condições de sustento. A gradativa desestruturação da família de Marta reflete a realidade cruel provocada pelo sistema econômico e político. O pai passa pela crise às vezes de forma violenta, outras entregue à resignação de sua condição. A mãe testa seus limites até à explosão, incapaz de continuar lidando com a obrigatoriedade de se entregar a jornadas exaustivas de trabalho. Marta se descobre em meio ao caos, sua caminhada no final do filme é o retrato da solidão que atinge de forma avassaladora os jovens nessa sociedade cada vez mais desestruturada. 

Colo (Portugal, 2017), de Teresa Villaverde. Com João Pedro Vaz (Pai), Alice Albergaria Borges (Marta), Beatriz Batarda (Mãe), Clara Jost (Júlia).

Diamantino

A sátira futebolística inspirada em Cristiano Ronaldo (dentro e fora das telas) consegue, através da trama beirando o absurdo, debater importantes questões do mundo contemporâneo, principalmente do continente europeu, assolado por questões de xenofobia e separatistas. 

Diamantino é o craque da seleção portuguesa de futebol, espécie de Deus dos gramados, comparado pelo pai  a Michelangelo. Em campo, as jogadas geniais do atleta acontecem quando ele tem visões de fofos cachorros gigantes (efeitos especiais a serviço do surrealismo). Na final da Copa do Mundo contra a Suécia, o craque perde pênalti aos 45 minutos do segundo tempo e cai em desgraça.

O infantilizado Diamantino, dominado pelas cruéis irmãs gêmeas, resolve dar guinada na vida quando se depara, de seu suntuoso iate, com bote de refugiados africanos. Adota um refugiado, na verdade uma agente especial que se disfarça para investigar possíveis transações financeiras ilegais do ídolo português. 

A trama ganha toques nonsenses passo a passo, Diamantino se vê envolvido com casal de lésbicas investigadoras, seu corpo serve de protótipo para experiência envolvendo clonagens, ingenuamente participa de campanhas publicitárias a favor da separação de Portugal da Comunidade Européia. Tudo sobre o controle quase macabro das gêmeas. A película ganhou o prêmio da Semana da Crítica no Festival de Cannes.

Diamantino (Portugal/Brasil, 2018), de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt. Com Carloto Cotta (Diamantino Matamouros), Cleo Tavares (Aisha), Anabela Moreira (Sônia Matamouros), Margarida Moreira (Natasha Matamouros).