Bella sai da Suécia para Los Angeles com um sonho: ser uma estrela de filmes pornô. Ela faz contatos e rapidamente passa a participar dos sets, mas, de início, impõe certos limites aos tipos de relacionamentos, tentando se preservar até alcançar o topo. No entanto, Bella se vê obrigada a fazer mais e mais concessões, se enveredando em uma rede perversa de exploração sexual.
Pleasure é o filme de estreia da diretora sueca Ninja Thyberg. Através da trajetória de Bella no mundo, ou submundo, das produções pornôs, a diretora compõe um painel triste da ambição humana, da exploração cruel da indústria cinematográfica pornô. A transformação da personagem de Sofia Kappel (atuação intensa, visceral), testando os limites de seu corpo, é marcante.
Pleasure (Suécia, 2021), de Ninja Thyberg.Com Sofia Kappel (Bella), Zelda Morrison (Joy), Evelyn Claire (Ava), Chris Cock (Bear), Jason Toler (Mike).
O casal Tomas e Ebba passa férias em uma estação de esqui junto com seus dois filhos, as crianças Vera e Harry. Durante um almoço no restaurante do hotel, uma pequena avalanche provoca correria no restaurante. Passado o susto, a relação do casal entra em uma espiral de crise, provocada pela atitude de Tomas durante a avalanche.
O diretor Ruben Ostlund já conquistou por duas vezes a Palma de Ouro em Cannes com The square: a arte da discórdia (2017) e Triangle of sadness (2022). O apuro visual e os planos lentos, marca do diretor sueco, são o destaque de Força maior, uma profunda e, por vezes, divertida, discussão a respeito da masculinidade. Os longos silêncios durante as práticas de esqui nas montanhas, fotografadas em uma perturbadora claridade, reforçam a sensação de progressiva crise depressiva que acompanha Tomas e Vera.
Força maior (Turist, Suécia, 2014 ), de Ruben Ostlund. Com Johannes Bah Kuhnke (Tomas), Lisa Loven Kongsli (Ebba), Clara Wettergren (Vera), Vincent Wettergren (Harry), Kristofer Hivju (Matts), Fanni Metelius (Fanny).
O documentário foi realizado durante as filmagens de O sacrifício (1986), na Suécia. É um retrato fascinante do processo de criação e realização de um dos diretores mais autorais, intimistas, do cinema. As cenas mostram Tarkovski envolvido em todas as etapas da produção: discutindo aspectos da direção de arte, do cenário, conversando com os atores, às vezes, simulando ele mesmo cenas para expressar seu desejo na interpretação.
As sequências das filmagens são intercaladas com depoimentos de Larissa Tarkovskaja, esposa do diretor, que lê trechos do diário do marido, de conversas do diretor em palestras que proferiu, de suas reflexões sobre o cinema e a vida, deixando claro que nos filmes do cineasta russo não existe separação entre a arte e sua vida.
“Você pergunta que relacionamento ele tinha com a casa dele. A casa era muito importante para ele. E, como pôde ver, ele colocou nossa casa em cada um de seus filmes. O interior, a sensação, a alma de nossa casa. Não exatamente como uma fotografia. Afinal de contas, isto é arte. Ele usou outras formas e outros personagens além de nós. Mesmo assim, sua vida e sua casa estão presentes em cada filme. Sentimos muita falta de nossa casa durante os cinco anos que ficamos no ocidente. Esta foi nossa primeira casa e ele a adorava e trabalhava muito bem lá. Ele costumava desenhar sempre a casa. Ele escreveu. Estou descansando aqui há três dias, mas sinto que recuperei um ano inteiro. Agora, posso trabalhar. Mas onde há trabalho a ser feito? Em ‘O sacrifício’ ele contou a história de como encontramos a casa. Foi exatamente como o homem contou ao seu filho que, na verdade, é nosso filho mais novo, Andryushka.” – Larissa Tarkovskaja
Um dos grandes destaques do documentário é o conflito que aconteceu após as filmagens da sequência final, o incêndio da casa do protagonista. Preparativos meticulosos foram necessários, pois a casa/cenário foi realmente incendiada para ser gravada em um longo plano-sequência. No entanto, a câmera travou por alguns segundos durante a filmagem. Tarkovski não admitiu editar a sequência, ameaçando, inclusive, que o filme não seria lançado caso não fosse possível repetir a filmagem. A equipe conseguiu financiamento para reconstruir a casa e o diretor de fotografia Sven Nykvist resolveu usar duas câmeras, em dois trilhos, um mais elevado do que outro, como segurança. Tudo deu certo, as imagens mostram a equipe exultante e um Tarkovski pleno de emoções indefiníveis após a palavra “corta”.
O final, emocionante, mostra Tarkovski durante o processo de tratamento do câncer que o mataria, poucos meses após as conclusões de O sacrifício, já acamado, discutindo com a equipe aspectos de pós-produção do filme, como o tratamento de cor. Com certeza, Dirigido por Tarkovski é um dos melhores documentários sobre o cinema já realizados.
Dirigido por Andrei Tarkovski (Regi: Andrei Tarkovski, Suécia, 1988), de Michal Leszczylowski.
O estranho sonho que abre Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergman, quando o professor vê um caixão caindo da carruagem na rua, é referência a este clássico do cinema sueco. A carruagem fantasma trata do sobrenatural: três homens, na noite de ano novo, bebem em um cemitério, pouco antes da meia-noite. David Holm conta a história do amigo que sabia que morreria na noite do ano novo e, a partir daí, seria o cocheiro, durante um ano, da carruagem fantasma. A função do cocheiro, caracterizado com o capote e a foice, metáfora visual que celebrizou a morte no cinema, é buscar a alma dos mortos no momento da passagem.
A narração do filme tem a força poética, com intrincadas fusões e sobreposições de imagens, evidenciando o tom fantasmagórico. A fotografia com nuances expressionistas, a névoa e o frio da noite determinaram um estilo para este tipo de filme. Outro destaque são os intrincados flashbacks, às vezes um dentro do outro, rompendo a linearidade da narrativa.
A carruagem fantasma é mais um dos grandes filmes que marcaram os anos 20 do cinema mudo, a grande década do cinema. A história de David Holm, em sua luta pela redenção, propiciou ao cinema algumas imagens marcantes, como a alma do personagem se levantando de seu cadáver. A solidão deste momento é a poética expressão da morte.
A carruagem fantasma (Korkarlen, Suécia, 1921), de Victor Sjostrom. Com Victor Sjostrom (David Holm), Hilda Borgstrom (Ingeborg Holm), Tore Svennberg.
Eu sou Ingrid Bergman (Jag är Ingrid, Suécia, 2015), de Stig Bjorkman, merece lugar de honra nos documentários sobre o star-system de Hollywood. A narrativa parte de cartas escritas por Ingrid Bergman e imagens caseiras que a atriz fazia, pois tinha sempre consigo uma câmera de cinema. Os depoimentos ficam por conta da filha Pia, do primeiro casamento, e de Roberto, Ingrid e Isabella Rossellini, filhos de Ingrid Bergman com Roberto Rossellini. Amigos da atriz também contam passagens íntimas da vida desta musa do cinema.
Os filhos não poupam a mãe, revelando com sinceridade a sensação de abandono que sentiram durante toda a vida, pois os compromissos de trabalho e a vida amorosa de Ingrid sempre a afastava. Pia é quem mais sofreu, pois quando Ingrid se mudou para a Itália para viver com o diretor Roberto Rossellini, ficou nos EUA morando com o pai.
Emocionantes, os relatos e as imagens revelam uma Ingrid determinada e, às vezes, frágil. A mulher que luta para continuar atuando, razão, segundo ela, de sua vida, enfrentando o preconceito da época e a mídia feroz, que não perdoava suas escolhas amorosas. Sobre o cinema, reservo um espaço neste post para um depoimento de Ingrid sobre o seu trabalho com Ingmar Bergman no filme Sonata de outono (1978). Duas lendas do cinema, atriz e diretor, em conflito e entendimento, buscando a essência da sétima arte.
“Quando minha filha toca piano, há um close em mim. A mãe observa a filha. A única coisa que eu tinha que fazer ela vê-la tocar. Depois de algumas tomadas Ingmar veio me dizer: ‘Sobre o que está pensando?’. Eu disse: ‘Estou pensando que a coitadinha da minha filha nunca soube tocar piano, não é mesmo? Escutei um pequeno erro. Mas tudo bem, ela está tocando. Ah, não está bom.’
“Ele disse: ‘Você está pensando errado. Ela não está nem ouvindo a filha tocar. Já sabe que a filha não é pianista. Ela só a observa e lembra de quando era menina, correndo pelo gramado de sua mãe feliz. Esperando o abraço da filha.’ Ele me fez pensar de uma maneira totalmente diferente. Isso é o que um bom diretor sabe fazer. Ele dá a você um pensamento para que possa projetá-lo.”
É um dos filmes mais pesados, difíceis de assistir de Bergman, mas, ao fim, dialoga com nossas angústias mais profundas. Jenny Isaksson (Liv Ullmann) é psiquiatra, seu caso atual é uma jovem com tendências suicidas que a agride verbalmente. Jenny vai passar um tempo com os avós, na casa de sua infância, e tem visões noturnas com uma anciã, possivelmente sua falecida mãe. A rotina de Jenny é marcada por encontros com personagens que, assim como a médica, sofrem de perturbações.
Bergman filma tudo com uma câmera distante, quase documental. Na forte sequência em que Jenny é estuprada em um apartamento, o diretor posiciona a câmera fora do quarto, filmando pela porta aberta, deixando em quadro um homem em pé que assiste a tudo impossível e as pernas da médica que se debatem durante o ato.
A complexa intensidade da mente humana, muitas vezes reprimida, permeia toda a narrativa. Em pauta temas como a inutilidade do tratamento psiquiátrico, tentativas de se libertar através de ousadas incursões físicas, a mente que não acompanha a decrepitude do corpo, busca desesperada de salvação que leva à tentativas do ato extremo. Resta ao espectador assistir e se entregar às suas próprias e incompreensíveis angústias.
Face a Face (Face to face, Suécia, 1975), de Ingmar Bergman. Com Liv Ullmann, Erland Josephson, Aino Taube, Gunnar Bjornstrand.