Rua da vergonha

Rua da Vergonha (Akasen Chitai, Japão, 1956), de Kenji Mizoguchi. 

A primeira cena do filme define o tema da narrativa. Tatsuko Taya, proprietária de um bordel, se lamenta com um policial que atende a região: “A verdade é que nosso ofício é muito difícil. Sempre fizemos o que o governo disse. Absolutamente sempre, e em nenhum momento deixamos de pagar os impostos. Quando acabou a guerra, nos pediram para servir os americanos. Até reformamos o local. E agora nos tratam como se fossemos demônios. E discutem leis contra a prostituição. Sou a quinta geração à frente deste local. Temos trezentos anos de história.”

O derradeiro filme de Mizoguchi se passa na chamada Rua da Vergonha, onde se situam vários bordeis. O governo e a sociedade discutem leis contra a prostituição, na casa da Sra. Taya, as gueixas se dividem sobre a lei. Dizem que no Japão moderno as coisas mudaram, há poucos clientes e as mulheres jovens já não se interessam mais pela profissão. 

“Ao contrário dos últimos filmes de Mizoguchi – quase todos baseados em temas históricos, todos ‘filmes de época’ ou jidai-geki como no Japão os chamam – Akasen Chitai é um gendai-geki, ou seja uma obra de tema contemporâneo. A acção situa-se nos inícios dos anos 50 e é mesmo precisada pela referência à discussão parlamentar da lei da prostituição. Yoshiwara é reduzida (ou ampliada?) a uma rua, essa a que no ocidente se chamou da vergonha, e a uma casa, nas legendas traduzida como “Casa do Sonho”. Mais de 3/4 do filme se situam nela, com raras e lúgubres saídas para o exterior.  de um prazer de todo ausente da vida daquelas mulheres que trabalham para o dar. Nada disto é muito novo e todos nós vimos ou lemos já mil vezes o ‘fado da prostituição’? Precisamente, o grande prodígio deste filme, o seu insuperável milagre, é escapar completamente a qualquer visão moralista ou miserabilista da ‘mais velha profissão do mundo’ e, partindo de ‘clichés’ (não faltam no argumento quase nenhumas variações sobre as diversas situações arquetípicas do género) eliminá-los um por um para nos traçar cinco retratos de mulher (seis, se lhe juntarmos a criança do final) prodigiosos de densidade, excluindo qualquer fácil identificação ou qualquer melodramatismo. Raras vezes o cinema nos terá dado figuras tão abstractas (recusa a qualquer psicologismo) com tanta carne, sexo e alma” – João Bénard da Costa (artigo disponível na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema). 

Esse tema é recorrente na filmografia de Mizoguchi: o cotidiano das gueixas que lutam pela sobrevivência se vendendo à sociedade patriarcal, geralmente homens casados da classe dominante. Em seu último filme, o diretor se debruça sobre uma estrutura que se impõe, tentando esquecer o passado vergonhoso de exploração sexual. O final da narrativa é simbólico. Várias garotas estão na porta dos bordeis onde trabalham tentando atrair clientes. Uma jovem gueixa em formação, ainda virgem, olha assustada o movimento, até que com o rosto ligeiramente encoberto por uma pilastra, chama timidamente um cliente: “vem, vem…” Assustada, ela se esconde por completo na última imagem composta pelo mestre Mizoguchi.   

Elenco: Machiko Kyo (Mickey), Ayako Wakao (Yasumi), Aiko Mimasu (Yumeko), Michiyo Kogure (Hanae), Kumeko Urabe (Otane), Sadako Sawamura (Tatsuko Taya).

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