
Mamma Roma (Itália, 1962), de Pier Paolo Pasolini.
Mamma Roma (Anna Magnani) é uma prostituta de meia idade que luta para criar seu filho Ettore (Ettore Garofalo) de forma digna, tentando afastá-lo da má influência da marginalidade adolescente. Os dois se mudam para a periferia de Roma, bairro marcado por construções populares modernistas em meio às ruínas da Roma antiga, onde Mamma monta uma barraca de frutas na feira. Ettore, no entanto, insiste em vadiar, sem trabalhar ou estudar, aventurando-se cada vez mais no caminho da criminalidade.
O segundo filme de Pier Paolo Pasolini preserva o estilo neorrealista de seu filme anterior, Accattone e mostra a evolução do diretor em direção ao cinema de poesia que defendia. “No cinema de poesia, a história tende a desaparecer, o autor escreve poemas cinematográficos e não mais histórias cinematográficas. No cinema de poesia, o protagonista é o estilo, mais do que as coisas ou os fatos. Meus filmes pertencem a essa categoria.” – Pasolini
A história de Mamma Roma é pontuada por simbologias pictóricas e a busca da forma cinematográfica como representação dos desejos, anseios e frustrações da protagonista. Na abertura do filme, o diretor de fotografia dispõe os personagens, durante o casamento do antigo cafetão de Mamma, de forma similar ao quadro Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. No final, retratando o martírio de Ettore na prisão, a imagem evoca o quadro Lamentação sobre o Cristo morto, de Andrea Mantegna.
Pasolini: “Meu gosto cinematográfico não é de origem cinematográfica e sim pictórica. As imagens, os campos visuais que eu tenho na cabeça, são os afrescos de Masaccio, de Giotto, de Pontormo. Não consigo imaginar imagens, paisagens e composições de figuras fora da minha paixão fundamental por essa pintura do século 14, que coloca o homem no centro de toda perspectiva.”
Anna Magnani, uma das grandes atrizes e divas do cinema italiano, destila seu talento no papel da prostituta e da grande mãe – seu nome no filme simboliza outra marca do cinema intelectual de Pasolini: a cidade como definidor de personalidades e comportamentos de seus moradores (a Roma que prostitui seus cidadãos nas beiras boêmias de avenidas e pontos turísticos, durante a escuridão da noite).
Dois planos sequências de cinco minutos de duração cada são exemplos dessa simbologia, aliados à técnica cinematográfica como representante da poesia do cinema de Pasolini. Nos dois planos, Mamma Roma caminha pelo local onde convive esse universo marginal da cidade. É noite, as luzes ao lado e ao fundo são apenas pontos na escuridão. Durante a caminhada, Mamma reflete sobre sua posição na sociedade, sobre sua vida, sobre a esperança, em diálogos, que mais parecem um monólogo, com outras prostitutas, clientes, que entram e saem de quadro durante a jornada da prostituta. Anna Magnani em seu esplendor visual e artístico domina não só esses planos sequências, mas o filme inteiro.
Referência: Coleção Folha Cine Europeu. Pier Paolo Pasolini: Mamma Roma. Carlos Cássio Starling, Pedro Maciel Guimarães e Marcus Mello. São Paulo: Moderna, 2011