Sherlock Holmes está investigando o caso do assaltante que invade residências apenas para roubar e depois quebrar bustos de Napoleão Bonaparte. Mr. Harker, jornalista, foi vítima de um dos roubos e tenta escrever sobre o acontecimento. Ele diz ao famoso detetive:
“– É preciso tentar fazer a reportagem de tudo isso, embora, sem dúvida alguma, os jornais desta tarde estejam impressos, contando o fato e carregando nos detalhes. Recordam-se quando as tribunas das corridas tombaram em Doncaster? Era eu o único repórter que estava lá, e o meu jornal foi o único também que não deu uma notícia a respeito, porque experimentei uma tal emoção que me tornei incapaz de escrever. Desta vez serei o último a dar os pormenores sobre um assassinato cometido à minha porta.”
Mais tarde, Sherlock Holmes pede a um policial que dê um recado ao jornalista.
“– Se regressar a Pit Street poderá rever Mr. Horace Harker. Diga-lhe de minha parte que estou certo de que o autor do crime é um louco dominado por um grande ódio a Napoleão. Isso lhe será muito útil para o seu artigo.”
“Lestrade fitou-o bem nos olhos:”
“– O senhor não está falando sério – disse ele.”
“Holmes sorriu:”
“– Talvez. Mas estou seguro de que essa informação será interessante para Mr. Harker e para os assinantes dos jornais.”
No outro dia, Holmes lê a notícia no jornal.
“– Vai tudo bem, Watson – disse ele – ouça isto: ‘Estamos contentes em transmitir aos nossos leitores que as mais autorizadas opiniões são unânimes em estabelecer a solução deste caso. Mr. Lestrade, um dos detetives mais experimentados de Scotland Yard e também Mr. Sherlock Holmes, o conhecido técnico, acreditam que os incidentes que tiveram um epílogo tão trágico são a obra de um louco e não de um criminoso autêntico. Nenhuma outra explicação pode ser dada a fatos semelhantes.’”
“– A Imprensa, veja você Watson, é um instrumento eficiente quando a gente sabe servir-se dela.”
Esse trecho, do conto Os seis bustos de Napoleão, de Conan Doyle, aborda algumas questões no processo jornalístico: a dificuldade de escrever sobre fatos que nos emocionam demais; a prática de publicar notícias sem checar; jornais servindo a interesses variados, principalmente políticos.
Sobre mentiras e verdades no jornalismo, há um conto exemplar de Rudyard Kipling, Uma Questão de Fato. Três jornalistas estão a bordo de um navio. Os jornalistas presenciam uma cena de terror no mar. Dois monstros marinhos, semelhantes a grandes serpentes, lutam pela vida. Os tripulantes do navio assistem a tudo incrédulos, esperando pela morte, mas se salvam ilesos.
“– Precisamos reunir nossas notas – foi a primeira observação coerente de Keller – Somos três jornalistas treinados, temos em mão o maior “furo” de reportagem que jamais se viu. Vamos começar consciensiosamente.”
Os jornalistas começam a trabalhar e escrevem as matérias, cada um a sua maneira, tentando contar a história da serpente marinha. Depois de prontas, discutem o que fazer com as matérias.
“– Você parece não dar valor ao nosso “furo”. É piramidal: a morte da serpente no mar! Homem, é a coisa mais sensacional que já se publicou.”
“– O curioso é pensar que nunca aparecerá em jornal algum, não acha? – disse eu.”
Desembarcam do navio e continuam a viagem por terra, adiando o envio das reportagens.
“Por sinal, Zuyland, naquela madrugada, já rasgara e atirara ao mar o próprio artigo. As razões para esse gesto eram idênticas às minhas. (…)”
“No trem, Keller começou a rever o artigo. (…)”
“– Você não está reduzindo demais? – perguntei, solícito. – Lembre-se que tudo acontece e se imprime nos Estados Unidos, desde uma simples anedota sobre botões de calça até uma história fantástica sobre águias de duas cabeças.”
“– Isto é que atrapalha – murmurou Keller – Escrevemos tantas vezes tolices, que quando se trata da cristalina verdade….”
Dos três jornalistas, apenas Keller, o americano, tenta publicar a história, sem sucesso, em um jornal inglês. No final, o narrador do conto conversa com Keller sobre como publicar a reportagem.
“– Não faça conta, Keller. (…) Se você fosse setecentos anos mais velho, teria feito o que eu vou fazer.”
“– Que você vai fazer?”
“– Fazer como se se tratasse de uma mentira.”
“– Uma fantasia? – disse com um desprezo ardente pela fantasia, filha ilegítima da profissão.”
“– Pode chamar assim se quiser. Eu chamo de mentira.”
“E mentira ficou sendo. Porque a Verdade é uma dama nua. E se, por acaso, for arrancada do fundo do oceano, a um gentleman só cabe dar-lhe uma saia ou virar o rosto para a parede e jurar que não viu nada.”