
O primeiro filme de Wim Wenders começa de forma inusitada. Uma partida de futebol. Josef Bloch, o goleiro, observa o jogo que parece monótono, pois ele tem tempo para beber água da garrafa que está ao lado da trave. Pouco depois, a bola passa por ele, entrando no gol. Não vemos o jogo, apenas o goleiro. Josef corre para o meio do campo, ofende o juiz, é expulso. A partir daí, a narrativa segue as andanças de Josef pelo interior da Áustria (ele é suspenso do campeonato), seus encontros, seus relacionamentos amorosos que resultam em outro fato inusitado: após uma noite de amor, ele mata a mulher sem motivo nenhum.
Wim Wenders acabara de sair da faculdade de cinema, a primeira da Alemanha. Fez parte da primeira turma, entre 67 e 69. Segundo o cineasta, era um momento de indefinições, não havia cenário de financiamento, de subsídios para o cinema no país. Seu amigo, Peter Handke acabara de lançar o segundo livro, um sucesso de vendas e sugeriu que Wim Wenders adaptasse o romance para o cinema.
“Eu não fazia ideia de como faria um filme, era como ir para a lua, era como ser astronauta, ser um diretor de cinema na Alemanha no início dos anos 70. Escrevi o roteiro, não que soubesse como escrever um roteiro, eu basicamente peguei o livro, escrevi falas e esse era meu roteiro. Depois percebi que tinha de escrever um pouco mais, então escrevi um roteiro e recebi financiamento da televisão, com a ajuda da Áustria”
Com 25 anos, Wim Wenders foi para o interior da Áustria e começou a rodar o filme com a equipe selecionada. Sua opção foi filmar em ordem cronológica, acompanhando dia-a-dia a jornada do goleiro (o cineasta relatou depois que pensou que só assim poderia fazer um filme, na ordem direta dos acontecimentos).
“Filmei cronologicamente e um dia havia terminado. Então fui para a edição e tinha todas essas cenas em cafés e carros, havia muitos jukeboxes no filme, adoro jukeboxes, são minha mídia preferida e isso foi antes dos walkmans. Tinha de colocar música em todos esses jukeboxes e claro que escolhi minhas preferidas. Tinha Elvis Presley, Van Morrison, Creedence Clearwater e tudo que eu adorava na época. Então o distribuidor disse: espere um pouco, sabia que você tem de liberar essas músicas? É claro que ninguém havia me dito isso na faculdade. Então conseguimos liberar minhas músicas preferidas para poder lançar o filme na Alemanha porque achava que o único propósito de fazer um filme era que fosse lançado em meu país.”
O filme foi lançado nos cinemas com relativo fracasso de bilheteria. No entanto, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza, despertando a atenção de distribuidores. Foi quando os problemas começaram.
“O filme foi lançado na Alemanha, não foi muito bem, mas as pessoas gostaram e no ano seguinte ganhou o prêmio da crítica no Festival de Veneza. Outros países queriam comprar o filme e não sabíamos como fazer isso. Cada música custou uma fortuna para liberá-las para exibição, então o filme foi colocado de lado alguns anos, não dava mais para ver porque como era inocente, burro e jovem, colocar minhas músicas preferidas matou o filme. Foi meu primeiro filme, mas ele morreu e não foi visto por 40 anos.”
Quando a Fundação Wim Wenders adquiriu o filme, conseguiu liberar os direitos de várias das músicas originais. Outras músicas tiveram que ser substituídas por letras e músicas novas, usando instrumentos e técnicas de gravação da época.Sobre a grande influência na realização do filme, Wim Wenders comenta:
“Um crítico chamou o filme de thriller existencialista e pensei: ‘Uau, é um belo jeito de resumir, adorei.’ A base do meu filme foi Hitchcock porque meu grande mestre na época era o Hitchcock, havia assistido a todos os seus filmes. A linguagem do filme era a de um Hitchcock, exceto que nada acontece, o que é uma contradição.”
O medo do goleiro diante do pênalti (Die angst des tormanns beim elfmeter, Alemanha, 1972), de Wim Wenders.
Referência: DVD Novo Cinema Alemão. Neuer Deutscher Film. Seis filmes do movimento. Versátil Home Vídeo