Minha contribuição

Minha contribuição (Mi aporte, Cuba, 1969), de Sara Gómez.

O início do documentário segue um tom institucional, com uma citação de Che Guevara: “O proletariado não tem gênero, é a união de todos os homens e mulheres que, em todos os trabalhos do país, lutam conscientemente por um bem comum.” Os créditos são acompanhados por ilustrações de campanhas enaltecendo o trabalho das mulheres e uma música patriótica. 

O estilo jornalístico define a estrutura a seguir. Uma repórter entrevista um grupo de trabalhadoras na usina de açúcar Camilo Cienfuegos. “Aqui nós podemos ver o papel das mulheres na produção, fazendo trabalhos que antes eram realizados apenas por homens e que, através do processo revolucionário, agora foram herdados pelas mulheres.”

O documentário atendeu a uma encomenda da Federação das Mulheres Cubanas (FMC) como forma de destacar a contribuição das mulheres para a colheita da cana-de-açúcar. O financiamento ficou por conta do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica, assim como os outros documentários de Sara Gómez. A relação institucional com os princípios da revolução cubana fica clara, pois são dois institutos com ligações políticas.

No entanto, é um filme de Sara Gómez. A partir da apresentação institucional, a diretora promove uma reflexão sobre as condições de trabalho das mulheres, destacando a necessidade de políticas específicas para que elas possam ocupar os postos conciliando suas prioridades naturais, como a maternidade. O depoimento de um trabalhador masculino deixa claro o conflito de gêneros nas relações de trabalho.

“Aqui nós temos problemas, às vezes, bem sérios. Já que as companheiras não tem experiência em trabalhos pesados, trabalhos que os homens costumam fazer, elas, às vezes, não se comportam como deveriam. Em alguns casos, elas não vêm trabalhar e muitas vezes exploram seus colegas de trabalho infelizes perto delas, que, por causa do paternalismo, fazem seu trabalho e também parte do trabalho das mulheres. Às vezes ela não aguentam o esforço necessário para realizar o trabalho e aí os homens ajudam elas. A questão da falta ao trabalho ocorre por vários motivos. Um dos problemas, pode-se dizer que a maioria deles, estão relacionados com problemas com os filhos em casa, há problemas com gravidez. Desafios relacionados à falta de tempo para realizar as tarefas de casa.”

A fala do operário deixa evidente que, naqueles primeiros anos da revolução, o trabalho das mulheres era incentivado e necessário, mas ainda não existiam legislações específicas para protegê-las, principalmente no tocante à maternidade. O próprio trabalhador completa: “Nós sabemos que num futuro não tão distante esses problemas serão resolvidos com creches, e tal, mas, no momento, esses problemas existem e estamos tendo dificuldades de lidar. 

A partir daí, a câmera de Sara Gómez se dedica a dar voz às mulheres que sofrem com esse tipo de discriminação e falto de apoio governamental. A diretora acompanha o trabalho da comissão formada para supervisionar e buscar soluções para as mulheres que deixam o trabalho. A comissão visita as mulheres para descobrir as causas do “abandono”. 

Uma das trabalhadoras abre a porta e debate com a supervisora as possibilidade para retornar ao trabalho.”Eu disse aos camaradas para verem se podiam colocar meu filho na escola. Desse jeito eu posso ir trabalhar cedo e não chegar atrasada e não ter problemas de falta. Na verdade, eu preciso trabalhar. Preciso alimentar três crianças, imagine só. Mas também quero que elas estejam num lugar onde possam aprender. Como pode ver, até conseguir a escola, não posso trabalhar.” 

Os últimos dez minutos do documentário mostram um grupo de mulheres que estavam assistindo ao filme em uma sala de projeção. “Um relatório sobre um cine-debate” indica a estratégia: analisar e debater os problemas apresentados. As debatedoras, possivelmente, especialistas em questões psicológicas e sociológicas tecem fortes críticas ao trabalho de apoio oferecido até aquele momento. “Escute, eu estava ouvindo a Lucia (supervisora da comissão). Na verdade, está ferindo outras mulheres. Ela não está ajudando de um ponto de vista social. Como posso dizer… e fisicamente. Ela é uma mulher qualificada, ela é intelectual, mas o tempo em que uma mulher intelectual era intelectual e nada mais, acabou. Em vez de ajudar outra mulher que claramente se sente sobrecarregada, a única solução para ela foi: ‘bem, no meu caso, não vou me casar, por causa disso e daquilo.’”

A estrutura definida pela rebelde Sara Gómez para Minha contribuição, passando da apresentação institucional para o conflito, para o debate, a reflexão e a crítica, resultou em problemas com a censura. A Federação das Mulheres Cubanas impediu a circulação do documentário em Cuba e fora do país. 

Uma resposta em “Minha contribuição

Deixar mensagem para iaraccampos Cancelar resposta