O império dos sentidos

O império dos sentidos (I ai no korida, Japão, 1976), de Nagisa Oshima, é baseado em uma história real. Em 1936, a prostituta Sada Abe matou por asfixia seu amante Kichizo Ishida. Eles eram adeptos da “asfixia erótica”, estrangulamento intencional que, para os adeptos, aumenta o prazer do sexo em consequência da restrição de passagem do oxigenio. Naquela noite, Ishida tomou comprimidos para dormir e Sada, simulando a prática, estrangulou o amante até a morte. Após, ela cortou o pênis e os testículos dele, para guardar como recordação. 

Nagisa Oshima adaptou essa história para o cinema em um filme que percorreu décadas escandalizando público, crítica e políticos (o filme foi censurado no Japão e em diversos outros países mundo afora, inclusive no Brasil da ditadura militar). Os motivos: cenas de sexo explícito praticadas pelos atores diante das câmeras. Penetração, sexo oral, sadomasoquismo, perversões, tudo isto está na tela. Atenção para a famosa cena do ovo cozido e um diálogo que choca até hoje: “Eu tenho que fazer xixi.” “Não precisa sair para isso, faça aqui mesmo.” “Aqui onde?” “Dentro de mim. Bem gostoso e quentinho.” A frase final é de Sada. 

“O filme de Oshima atinge um nível extraordinário de intimidade erótica e franqueza física. Pela primeira vez em um filme não destinado ao circuito pornográfico há planos frequentes de pênis ereto e cenas de felação. Mas Oshima também consegue nos convencer de que esta história de um amor louco, l’amour fou, é uma manifestação verdadeira da paixão, levada ao extremo mais radical. A elegância da mise-en-scène do diretor cria um contraponto comedido e distanciado ao frenesi sexual dos amantes. “


Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

O desprezo

O desprezo (Le mépris, França/Itália, 1963), de Jean-Luc Godard. O filme abre com uma sequência icônica, das mais famosas relacionadas ao erotismo feminino. Camille (Brigitte Bardot) está nua, enquanto a câmera percorre seu corpo, ela pergunta ao marido, o roteirista Paul Javal (MIchel Piccoli), se ele gosta desta e daquela parte de seu corpo. 

A trama segue a crise conjugal do casal. Eles estão na Itália, Paul tenta fechar um contrato para escrever a adaptação para o cinema do romance Odisseia, de Homero. O diretor será Fritz Lang, que interpreta a si mesmo, em participação especial. A crise do casal se expõe definitivamente quando Jerry Prokosch (Jack Palance), produtor do filme, entra em cena. Camille se entrega em um jogo de sedução e traição com o produtor que resultará em um desfecho trágico, após uma bela carta de despedida ao marido. 

O desprezo é um filme sobre o cinema, bem ao estilo rebelde de Godard que anos depois romperia com a narrativa tradicional (após a criação do Grupo Dziga Vertov). 

“Ainda mais porque se trata aqui de suscitar (e excitar) o dito cinema tradicional no momento mesmo da sua dissolução: os últimos suspiros das grandes produções, as ruínas do sistema de estúdio. Décadas mais tarde, em suas Histoire(s) du cinéma (1988-1998), Godard dirá que nada pode ser chamado de arte até o fim de sua época (e que a única coisa que sobrevive a uma época é justamente a arte criada por ela). De certa forma, pois, O desprezo realiza o ‘filme tradicional’ como arte justamente ao decretar a morte de sua época. Há assim, ao mesmo tempo, uma euforia juvenil (delírio da linguagem) e uma certa melancolia nessa realização.” – Felipe de Moraes. 

Referência: Godard inteiro ou o mundo em pedaços. Eugênio Puppo e Mateus Araújo (organização). Catálogo produzido pela Fundação Clóvis Salgado para a retrospectiva Jean-Luc Godard, exibida na Sala Humberto Mauro.