O intendente Sansho

O intendente Sansho (Sansho Dayu, Japão, 1954), de Kenji Mizoguchi, recria uma antiga lenda oral japonesa, tendo como base o conto de Mori Ogai. Zushio pai (Yoshiaki Hanayagi) administra uma pequena cidade medieval japonesa. Ele combate a miséria da população com atos benevolentes e a busca de justiça social, mas é punido com o exílio pelo governo central por essas atitudes. Antes de partir, ele ensina a seu filho Zushio um preceito: “os homens são como feras, então mesmo que seja severo consigo, seja misericordioso para com os outros, porque todos têm o direito de serem felizes.” 

A esposa de Zushio empreende uma jornada junto com seus dois filhos, Zushio (Yoshiaki Hanayagi) e Anju (Kyoko Kagawa), para se juntar ao marido. No caminho, são sequestrados por uma quadrilha de tráfico humano. A mãe é encarcerada em uma ilha, onde deve servir como gueixa, e as duas crianças são vendidas ao Intendente Sansho (Eitaro Shindo), administrador cruel de uma poderosa região. 

Mizoguchi não poupa o espectador ao tingir com tintas extremamente melodramáticas o sofrimento dessa família, principalmente dos irmãos que crescem como escravos, presenciando e sendo obrigados a participar de atos criminosos. A princípio, o diretor queria narrar a história de Sasho, mas foi demovido da ideia pelos produtores, temerosos de centrar a trama em um personagem completamente desumano, capaz das atitudes mais crueis para se perpetuar no poder. O protagonismo da narrativa cabe então aos irmãos, cuja submissão e, posteriormente a luta para se libertarem (com uma comovente cena de Anju em um lago) traça paralelos com a história do Japão durante a Segunda Guerra Mundial. 

“É possível identificar e estabelecer uma relação direta entre o modo como Mizoguchi compõe e expõe as atrocidades nos campos de Sansho e os registros imagéticos e documentais dos campos de prisioneiros da Segunda Guerra Mundial. Numa década onde boa parte do cinema japonês se voltava para comentários acerca da guerra, a pontuação de Mizoguchi não apenas estabelece uma crítica às atrocidades cometidas pelos japoneses como também oferece uma possibilidade de redenção para o corpo civil, eventualmente transformado em militar durante o conflito, na figura de Zushio, que, flagelado pelos eventos a que é submetido e pelos horrores que testemunha, esquece os ensinamentos do pai e volta-se para o endosso da violência ali perpetrada. A recuperação de sua identidade num momento de humanidade e a luta por redenção compreendem o grosso da dinâmica confrontativa do filme em seu terço final e tem dois momentos fundamentais. Primeiro na esfera social, na qual Zushio precisa adquirir poder institucional, recusar as dinâmicas da corrupção e do poder que ali imperam, e então propor mudanças sociais e estruturais impactantes e duradouras, que é o que faz como administrador geral da região. Segundo, na esfera pessoal, precisa encontrar sua mãe para, quando se lançar aos seus pés na cena do filme mais forte e sobrecarregada emocionalmente, pedir perdão por seus atos.” – Raphael Cubakowic

Referência: Mestres japoneses. Dez filmes essenciais do cinema clássico nipônico. Ferando Brito (org.). São Paulo: Versátil Home Vídeo, 2022. 

Os amantes crucificados

Os amantes crucificados (Chikamatsu monogatari, Japão, 1954), de Kenji Mizoguchi, narra a história de um amor proibido no Japão do século XVII. Mohei (Kazuo Hasegawa)  é funcionário de uma loja de pergaminhos. Ele se apaixona por Ozan (Kyoko Kagawa), esposa de seu patrão. O romance entre os dois caminha para a tragédia (denunciada pelo título em português), pois combate a rígida sociedade patriarcal japonesa, cujas punições mais severas são impostas, principalmente, às mulheres adúlteras. 

Os longos planos sequências, marca de Mizoguchi, convidam o espectador a acompanhar lentamente o sofrimento dos amantes que se entregam à paixão. Os dois empreendem uma fuga alucinada por lagos e florestas, locais cuja fotografia explendorosa eleva o teor erótico e, ao mesmo tempo, cruel da narrativa. Atenção para a derradeira sequência, o caminhar dos amantes acorrentados para o seu destino.  

A mulher infame

A mulher infame (Uwasa no onna, Japão, 1954), de Kenji Mizoguchi. 

A narrativa se passa em Kyoto, nos anos 50. Hatsuko (Kinuyo Tanaka), uma mulher de meia idade, administra uma casa de gueixas. O conflito acontece quando Yukiko (Yoshiko Kuga), sua jovem filha chega para se recuperar de uma tentativa de suicídio, motivada por uma desilusão amorosa. Yukiko se apaixona pelo namorado da mãe, um ambicioso médico que atende as profissionais da região e é praticamente sustentado por Hatsuko.  

Yukiko representa a modernidade no Japão do pós-guerra, pois renega a tradição incorporada nesses estabelecimentos centenários. A jovem se indispõe com a mãe e as gueixas, mas aos poucos começa a entender e se familiarizar com as mulheres, começando uma relação de ajuda mútua.

A mulher infame trata de um tema recorrente na obra de Mizoguchi: as pressões sociais da sociedade patriarcal japonesa que subjuga e explora as mulheres de forma depressiva e degradante. Para Mizoguchi, os bordeis são muito mais do que casas de exploração sexual, são o refúgio dessas mulheres que buscam, através da solidariedade e do carinho entre elas, sobreviver a essa sociedade cruel.