Dente canino (Kynodontas, Grécia, 2009), de Yorgos Lanthimos.
O filme abre com um homem dirigindo em uma estrada. Ao seu lado, a jovem Christina tem os olhos vendados. Eles entram em uma casa cercada de muros altos, Christina é encaminhada para um quarto, onde, de forma fria e impessoal, pratica sexo com o filho do dono da casa.
Christina é a única personagem nomeada da trama. Os outros personagens compõem a família que vive enclausurada na casa de campo: o pai, a mãe, o filho, a filha mais velha e a filha mais nova. Nesse pequeno mundo particular, os filhos, que nunca saíram, vivem sob o controle total dos pais, como uma forma de ficarem protegidos da ameaça exterior.
Dente canino abriu as portas do cinema internacional para o diretor Yorgos Lanthimos. O filme conquistou o prêmio Un Certain Regard em Cannes e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A crítica subversiva e provocativa de Lanthimos dispara contra instituições sagradas: a família, a estrutura patriarcal da sociedade, o controle da mídia exercido por meio da linguagem, a divisão de classes que impera no mundo trabalhista. É um filme de Yorgos Lanthinos, portanto, com cenas ousadas de incesto, incluindo uma cena de masturbação explícita entre irmãos.
Elenco: Christos Stergioglou (o pai), Michele Valley (a mãe), Angeliki Papoulia (filha mais velha), Mary Tsoni (filha mais nova), Christos Passalis (Filho), Anna Kalaitzidou (Christina).
O terceiro homem (The third man, Inglaterra, 1949), de Carol Reed.
Esse inusitado filme noir produzido pelos ingleses e rodado quase inteiramente em locações em Viena, tem uma das frases mais polêmicas e emblemáticas do cinema. Harry Lime (Orson Welles), que estava morto e reaparece, conversa com seu amigo Holly Martins (Joseph Cotten) no sopé de uma roda gigante. Harry convida Holly para trabalhar com ele no contrabando de penicilina adulterada, que causara deficiência e mortes em pacientes, incluindo crianças.
““Não faça essa cara de enterro. Não é tão ruim assim. E lembre-se: a Itália sob o domínio dos Bórgia, viveu 30 anos de terror, guerra e assassinatos, mas gerou MIchelangelo, Leonardo Da Vinci e o Renascimento. Já a Suíça com todo o amor fraternal, viveu 500 anos de paz e democracia. E gerou o que? O relógio cuco. Tchau, Holly.” – argumenta Harry.
O roteiro de O terceiro homem foi escrito pelo escritor Graham Greene, que depois escreveu o livro a partir do filme. No entanto, a frase bombástica foi escrita pelo próprio Orson Welles que, claro, teve que ir a público se desculpar com os suíços.
A trama começa com Holly Martins, escritor fracassado de livros de faroeste, chegando a Viena sem um tostão no bolso, seduzido por um emprego oferecido pelo amigo Harry, que não vê há anos. Grande parte de Viena está em ruínas e a cidade está infestada de estrangeiros que praticam contrabando quase livremente pelas ruas.
“A Viena pós-guerra, com insistente música de cítara ao fundo, estava a um milhão de quilômetros de distância da cidade das valsas leves de Strauss, além de se encontrar dividida em setores francês, britânico, russo e americano. Reed e seu grande diretor de fotografia, Robert Krasker, filmaram a maior parte das cenas com a câmera angulada fora do eixo horizontal. Cineastas alemães da década de 1920 haviam usado essa técnica para indicar desequilíbrio mental. Sua Viena continha tanta loucura quanto os sanatórios de Wiene e Kinugasa, os precursores expressionistas de Reed. Welles escreveu suas próprias cenas e alguns afirmam que ele também foi uma influência no estilo visual do filme.” – Mark Cousins
Logo após desembarcar, Holly descobre que seu amigo foi atropelado em frente a casa onde mora e está sendo enterrado naquele momento. No enterro, personagens determinantes para a trama se cruzam: o inspetor de polícia, Anna Schmidt (Alia Valli), namorada de Harry, e dois amigos que socorreram o atropelado. No entanto, o porteiro, testemunha do acidente, afirma que havia um “terceiro homem” no local. O escritor, estranhando esse terceiro homem que ninguém citara nos depoimentos, começa a investigar o atropelmaneto como um possível caso de assassinato.
“Depois de todos esses anos, não é exatamente uma surpresa, mas o momento em que o Harry de Welles é pego por um facho de luz da rua enquanto um gato se esfrega em seus sapatos ainda é mágico. O tema da cítara inesquecível de Anton Karas se destaca na trilha sonora. Um raro filme inglês que é tecnicamente tão perfeito quanto os melhores clássicos de Hollywood, O terceiro homem é uma extraordinária mistura de thriller político, estranha história de amor, mistério gótico e tormento romântico em preto e branco.” – 1001 filmes para ver antes de morrer
O filme tem duas sequências memoráveis inscritas entre as melhores de todos os tempos no cinema. Primeiro, a perseguição da polícia a Harry nos esgotos de Viena até o confronto final quando o contrabandista, já ferido, passa os dedos pela grade que lhe daria acesso à rua, olha para Holly que está embaixo da escada e faz apenas um leve sinal com a cabeça. Ouve-se o tiro fatal (Orson Welles fica em cena durante cerca de cinco minutos, em uma de suas maiores atuações no cinema).
A segunda, no verdadeiro enterro de Harry Line. Em primeiro plano, vemos Holly Martins encostado em um carrinho, na alameda do cemitério. Ao fundo, em um grande plano aberto, Anna caminha solitária em direção à câmera Ela passa por Holly sem sequer olhar para o lado (Holly já declarara seu amor por Anna). A câmera inverte o ponto de vista e acompanha Anna, agora se afastando. A longa caminhada foi gravada em tempo real, sem cortes. Uma das mais belas, tristes e simbólicas caminhadas do cinema.
Referências:
1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
História do cinema. Dos clássicos mudos ao cinema moderno. Mark Cousins. São Paulo: Martins Fontes, 2013