Via Láctea

Dois peregrinos percorrem o Caminho de Santiago. Sem dinheiro, vivem da caridade de estranhos durante a viagem. O road-movie os coloca diante de personagens simbólicos, em histórias episódicas pautadas por referências e citações bíblicas. Presente e passado se confundem aos olhos dos espectadores, além de incursões surrealistas, como a bela personificação da morte no assento traseiro do carro. 

“Buñuel considerava que Via Láctea era uma narrativa documental sobre a história das heresias no seio do cristianismo, posto que se constitui como uma dramatização de discussões teológicas. Percebe-se, então, o papel fundamental desempenhado pelos diálogos para a criação da continuidade narrativa. Os diferentes episódios e suas épocas dialogam diretamente; e esse diálogo enfatiza a presentificação da narrativa. Passado e presente só são reconhecidos como tal pelo figurino das personagens e pela espacialidade criada (o desvio dos peregrinos para fora da estrada).” 

Via Láctea (La voie lactée, França/Itália, 1969), de Luis Buñuel. Com Paul Frankeur, Laurent Terzieff, Alain Curry. 

Referência: Índices de um cinema de poesia. Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e Krzysztof Kieslowski. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004

A morte no jardim

Luis Buñuel planejou A morte no jardim como referência direta à Espanha do General Franco, de onde o diretor teve que se exilar no início de sua carreira. O cenário é a pequena vila de mineração incrustada em país indefinido da América Latina. O governo toma posse da mina de ouro e expulsa os mineradores. Eles se revoltam nas ruas da cidade e grupo de foragidos se encontra em um barco: o jovem explorador europeu que é acusado de roubo; minerador rico e sua filha surda e muda; o missionário da cidade; um soldado; a prostituta e o mercenário dono do barco.

Em termos narrativos, A morte no jardim guarda semelhanças com No tempo da diligências (1939), de John Ford. Representantes de classes sociais distintas estão juntos no mesmo veículo e se defrontam com o perigo. No faroeste de Ford, são os índios. No drama social de Buñuel, a floresta amazônica coloca em risco mortal os personagens.

A morte no jardim (La mort en ce jardin, França/México, 1956 ), de Luis Buñuel. Com Simone Signoret (Djin), Charles Vanel (Castin), Michel Piccoli (Padre Lizardi), Michèle Girardon (Maria), Georges Marchal (Shark).

Tristana, uma paixão mórbida

A jovem Tristana perde a mãe e Dom Lope a assume como tutor. Já idoso, Dom Lope tem ideias progressistas, renega a religião, defende os trabalhadores e flerta com o socialismo, apesar de viver de renda em uma bela casa. Ele desenvolve por Tristana sentimentos dúbios: amor paternal e marital, a adotando como pai e amante. Tudo muda quando Tristana se apaixona por um jovem pintor. 

O surrealista Buñuel despeja em Tristana, uma paixão mórbida seu olhar sem piedade sobre a sociedade e as relações humanas. O nobre Dom Lope reverte seus princípios ao menor desejo sexual; a ingênua Tristana se dilui entre o amor e o ódio, sem pudor em usar as pessoas de acordo com as oscilações de seu caráter. 

“Buñuel desejava filmar esta adaptação do romance clássico de Benito Pérez Galdós desde 1963. Ele aborda um de seus tópicos favoritos: a sedução e a corrupção de uma pessoa inocente, Tristana (Catherine Deneuve) por Dom Lope (Fernando Rey), um cavalheiro muito mais velho cujos ideais políticos declarados são muito mais radicais do que sua forma de tratar as mulheres. Tristana sobrevive a essa opressão, depois da perda de uma perna, duplicando sua crueldade e estendendo seus efeitos, como na cena perturbadora em que ela exibe o seu corpo ao jovem empregado Saturno (Jesús Fernández).” 

Tristana, uma paixão mórbida (Tristana, França/Itália/Espanha, 1970), de Luis Buñuel. Com Catherine Deneuve, Fernando Rey, Franco Nero, Lola Gaos, Antonio Casas. 

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider (editor geral). Rio de Janeiro: Sextante, 2008