O quarto ao lado

Em O quarto ao lado (The room next door, Espanha, 2024), Pedro Almodóvar se debruça em um tema sempre polêmico e que tem sido motivo de debates e reflexões, tanto na arte como na sociedade: o direito à eutanásia. 

Martha (Tilda Swinton), jornalista e ex-correspondente de guerra, sofre com um câncer terminal. No hospital, ela recebe a visita da amiga Ingrid (Julianne Moore). As duas estavam afastadas há algum tempo e retomam o relacionamento. Ingrid passa a acompanhar Martha em seu dia-a-dia, ajudando-a em seus procedimentos médicos, mas é surpreendida com uma proposta: Martha decide pela eutanásia, ingerindo uma pílusa adquirida no mercado negro da internet (a eutanásila é proibida nos EUA) e deseja que a amiga a acompanhe sem seus dias finais. 

Almodóvar adaptou o romance O que você está enfrentando, de Sigrid Nunez. Ingrid é uma escritora, acabou de publicar um romance cujo tema é o medo da morte. Quando se mudam para a casa escolhida por Tilda para o ato final, Ingrid ocupa “o quarto ao lado” e tenta se preparar, enfrentando seus medos mais devastadores. 

Durante o Festival de Cinema de Veneza, Pedro Almodóvar declarou que o filme é uma forma de comunicar sua convicção a favor da eutanásia: “Deveria ser possível ter isso em todo o mundo. Deveria ser regulamentado, o parecer do médico deveria ser suficiente.”

A voz humana

A voz humana (The human voice, Espanha, 2020), de Pedro Almodóvar. Uma mulher (Tilda Swinton) está sozinha em seu apartamento, observando as malas de seu namorado que nunca retorna. Com ela, está o cão do homem, que não sabe que também foi abandonado. 

O curta minimalista de Almodóvar  se passa dentro deste apartamento, ancorando a narrativa em um longo monólogo da mulher enquanto transita pelo ambiente vazio, de cores extravagantes (bem ao estilo Almodóvar). Tilda Swinton é o filme, sua interpretação da mulher obcecada, desesperada, vulnerável e sem destino, transforma o monólogo em uma intensa exposição da intimidade. 

É o primeiro filme de Almodóvar falado em língua inglesa, baseado na peça de Jean Cocteau. Assim como em Estranha forma de vida, o diretor espanhol trabalha com as características principais dos filmes de curta-metragem: poucos personagens em cena, cenários minimalistas, tempo de narrativa concentrado, conflitos intimistas. A força dos dois filmes, acima de tudo, está na complexidade das relações humanas, da intimidade entre as pessoas.

Estranha forma de vida

Estranha forma de vida (Espanha, 2023). Só mesmo o espanhol Pedro Almodóvar conseguiria homenagear o clássico filme de faroeste, respeitando os elementos narrativos e estéticos do gênero, mas subvertendo de forma ousada as relações entre dois ícones do velho oeste: o xerife e o pistoleiro. 

Silva (Pedro Pascal) entra na cidade à procura de Jacke (Ethan Hawke), atual xerife. É um reencontro após 25 anos, os dois foram amigos e amantes na juventude. A paixão reacende, os dois passam a noite juntos, mas no dia seguinte a verdade sobre o reencontro vêm à tona: Jacke está na caça de um assassino – o jovem é filho de Silva. 

Estranha forma de vida foi produzido pela grife de luxo Yves Saint Laurent, tornando o curta-metragem também uma estratégia de storytelling. Almodóvar, claro, teve liberdade para compor uma trama que oscila entre a paixão queer, a rusticidade e a violência do oeste americano. Ethan Hawke e Pedro Pascal estão perfeitos, assumindo com naturalidade e tristeza o belo caso de amor que vivem no filme. 

No final, Pedro Almodóvar não desaponta o espectador amante dos faroestes: o duelo acontece, de forma brutal, porém terna. 

Mães paralelas

Pedro Almodóvar parte de uma premissa triste, a troca de bebês na maternidade, para debater o complexo sentimento de maternidade. Janis e Ana dividem o quarto na maternidade quando estão prestes a entrar em trabalho de parto. Tornam-se amigas, confidentes, mantêm uma relação à distância quando as filhas nascem. Tudo muda, de forma drástica quando Janis começa a suspeitar que a bebê que levou para casa não é sua filha genética. 

Não há segredos ou surpresas nesta trama de troca de bebês. O espectador sabe desde o início da verdade. No entanto, uma virada de roteiro muda o relacionamento das duas mulheres. 

O ponto alto do filme é a narrativa paralela: no povoado de Janis, existe uma cova onde foram enterrados vários homens da cidade, executados durante a guerra civil espanhola. O final, quando a cova é aberta por uma ONG, é revelador, amparado pela potente frase de Eduardo Galeano que fecha o filme: 

“Não existe história muda. Por mais que a queimem, por mais que a quebram, por mais que mintam, a história humana se recusa a ficar calada.”

Mães paralelas (Madres paralelas, Espanha, 2021), de Pedro Almodóvar. Com Penélope Cruz (Janis), Milena Smit (Ana), Israel Elejalde (Arturo), Aitana Sánchez-Gijón (Teresa), Rossy De Palma (Elena).