Tempo de amar

Tempo de amar (Sevmek Zamani, Turquia, 1965), de Metin Erksan.

O pintor de paredes Halil (Musfik Kenter) trabalha em casas luxuosas Nas Ilhas dos Príncipes, próximo a Istambul. Durante um trabalho, ele se defronta com o retrato de uma bela mulher. A partir daí, todos os dias, ele invade a mansão e fica sentado durante horas diante do retrato. Até que Meral (Sema Ozcan), a mulher do quadro, chega para uma temporada na casa e o surpreende. O clima bucólico e chuvoso da ilha parece atingir diretamente o pintor, que se sente muito mais atraído pelo amor idealizado do retrato do que pela própria Meral. 

Tempo de amar passou despercebido pela crítica da época, talvez por não se enquadrar no inovador cinema dos anos 60 que corria mundo. A história de amor entre Halil e Meral segue o tradicional conflito de classes, mas transcende o melodrama pela abordagem poética, recheada de simbolismos. A obra de Metin Erksan é aclamada hoje como uma das joias raras do cinema turco, reverenciado pelo seu estilo visual triste e encantador.

Verão seco

Verão seco (Susuz yaz, Turquia, 1963), de Metin Erksan. Com Erol Tas (Kocabas Osman), Hulya Kocyigit (Bahar), Ulvi Doğan (Hasan),

A narrativa se passa em uma pequena cidade agrícola, castigada por um verão incremente. Os irmãos Osman e Hasan são beneficiados, pois a terra que cultivam é a nascente de um manancial de água. Osman, o irmão mais velho, decide represar a água, cortando o abastecimento para outros agricultores.

Esse ponto de partida é a motivação para fortes críticas sociais. Usando de uma memorável fotografia em preto e branco, o diretor turco Metin Erksan espelha a divisão de classes e a miséria social e econômica que domina a região. Cabe aos moradores da aldeia viver das gotas de água disponíveis ou se rebelarem. 

O conflito acontece também entre os irmãos. Hasan, apesar de passivo e obediente diante do irmão mais velho, não aceita a represa da água. A discordância ganha contornos trágicos por meio da ousadia erótica de um triângulo amoroso: Hasan se casa com a jovem e bela Bahar, objeto de desejo também de Osman. 

Verão seco conquistou o Urso de Ouro no Festival de Berlim e aguçou o olhar das cinematografias dominantes para um, até então, desconhecido cinema turco. 

Between two dawns

Between two dawns, primeiro filme de Selman Nacar, parte de um acidente rotineiro e trágico: um trabalhador é gravemente ferido ao tentar consertar uma máquina na tecelagem onde trabalha, um negócio administrado pelos irmãos Kadir e Serpil. 

Kadir, o irmão mais jovem, assume a tarefa de dar assistência ao ferido no hospital. Quando conhece a esposa do trabalhador, começa um forte dilema moral, o conflito entre os interesses da família e seus valores pessoais. A narrativa acontece em apenas dois dias, filmada nos ambientes urbanos, centrada na jornada de Kadir e em sua inerente transformação. A realista e cotidiana jornada do herói que pode acontecer com cada um de nós, basta um incidente ao sairmos de casa. 

Between two dawns (Iki Safak Arasinda, Turquia, 2021), de Selman Nacar. Com Mucahit Kocak (Kadir), Nezaket Erden (Serpil), Unal Silver (İbrahim), Bedir Bedir (Halil), Burcu Gölgedar (Esma), Erdem Şenocak (Yasin).

A árvore dos frutos esquecidos

O diretor turco Nuri Bilge já se consagrou pelas narrativas longas, reflexivas, o tipo de cinema contemplativo que exige entrega do espectador. Ele ganhou a Palma de Ouro em Cannes pelo belo Sono de Inverno. Em A árvore dos frutos esquecidos, Nuri Bilge tece uma trama envolvendo um aspirante a escritor, Sinan, que volta para casa após terminar seus estudos superiores. 

Os conflitos do filme passam pelas frustrações literárias de Sinan e sua difícil relação com o pai, viciado em jogos de azar. A árvore dos frutos esquecidos é o título de seu primeiro livro, metáfora delicada para a simples, pacata e também contemplativa vida em pequenas comunidades, que às vezes se perde na busca por grandes aspirações. A volta para casa, para o seio da família, apesar de todos os problemas, provoca a reflexão, detona o gatilho das emoções simples do dia-a-dia. 

A árvore dos frutos esquecidos (Ahlat agaci, Turquia, 2018), de Nuri Bilge Ceylan. Com Dogu Demirkol (Sinan Karasu), Murat Cemcir (Idris Karasu), Serkan Keskin (Suleyman)

A lei da fronteira

O novo cinema dos anos 60 se espalhou mundo afora renovando até mesmo cinematografias pouco difundidas. Na Turquia, o diretor Lutfi Omer Akad revisitou o gênero western, criando uma narrativa que mescla os clichês do gênero com o estilo neorrealista rico em conflitos sociais.  

Hidir é o líder de uma aldeia próxima à fronteira com a Síria. Ele atua como contrabandista, cruzando a fronteira, trazendo mercadorias e ovelhas para os poderosos chefes da cidade. É uma jornada arriscada, pois a divisa entre a Turquia e a Síria é recheada de minas terrestres. O comandante da policia tenta convencer Hidir a abandonar o contrabando, liderando a aldeia para aceitar a construção de uma escola para as crianças e no trabalho agrário. No entanto, os chefes locais forçam violentamente Hidir a continuar no contrabando. 

A progressão da trama levanta um aspecto decisivo para a renovação do cinema de gênero nos anos 60: o poder corrupto e opressor, representado por Ali Cello, dono das terras, não permite que os “pistoleiros” abandonem seu passado violento – representado por Hidir e seus comparsas. A única alternativa é o confronto mortal entre os dois lados. A polícia assiste a tudo com impotência, enquanto a esperança reside na jovem professora da escola e em Yusuf, filho de Hidir, que acompanha a trágica luta de seu herói. 

A lei da fronteira (Hudutlarin kanunu, Turquia, 1966), de Lutfi Omer Akad.Com Yilmaz Guney (Hidir), Ayse Ogretmen (Pervin Par), Erol Tas (Ali Cello), Tuncer Necmioglu (Aziz), Muharrem Gurses (Duran Aga), Aydemir Akbas (Abuzer).