A um passo da liberdade

O filme começa com um mecânico debruçado sobre o motor do carro. Ele se volta para a câmera e diz: “Olá. Meu amigo Jacques Becker recriou uma história verdadeira em todos os seus detalhes. Minha história. Ela se passou em 1947, na prisão de La Santé.” 

A um passo da liberdade é o último filme do diretor Jacque Becker. Ele esteve doente durante toda a produção e montagem do filme e faleceu antes da mixagem do som, aos 53 anos de idade. É baseado na história real de José Giovani, que também colaborou no roteiro. 

Giovani e outros quatro detentos planejam uma fuga do presídio de La Santé quando são surpreendidos com a transferência de outro detento, Claude Gaspard, para a cela deles. Os quatro amigos precisam decidir se levam o plano adiante, incluindo Gaspard na tentativa de fuga. 

Todos os atores do filme são amadores, um deles foi inclusive um dos detentos na vida real. É um filme de planos longos, evidenciando o cotidiano claustrofóbico dos cinco detentos cuja única opção é confiar uns nos outros enquanto dividem o lento processo de escavar paredes. Uma cena de quatro minutos de duração mostra os amigos batendo com um objeto na pedra quase intransponível, enfatizando a luta pela liberdade. 

“Nosso envolvimento é intensificado, também, por compartilharmos, de forma desconfortável e jamais plena, do ponto de vista de Gaspard (Marc Michel), um prisioneiro que, transferido de outra cela, aparece de surpresa entre os fugitivos originais. Sua chegada força os demais a decidirem se devem desistir do plano ou confiar no estranho. Embora escolham a última opção, Gaspard jamais se integra plenamente ao grupo: ele não é excluído apenas por conta de sua educação e maneiras, mas também, de maneira sutil, pelo fato de que somos informados apenas dos detalhes do seu caso. A tensão que sua presença gera dá ao filme seu principal atrativo psicológico e, no impressionante desfecho, lhe permite atingir uma dimensão trágica.”

Depois da morte de Becker, o produtor do filme cortou cerca de 30 minutos (jamais recuperados) da versão original. A um passo da liberdade consagrou-se, mesmo com esse crime perpetrado pelo produtor, como uma obra-prima. 

A um passo da liberdade (Le trou, 1960, França, ), de Jacques Becker. Com Michel Constantin (Geo), Jean Keraudy (Roland), Philippe Leroy (Manu), Raymond Meunier (Monsenhor), Mark Michel (Gaspard).

 
Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

Documenteur

Agnès Varda tece uma narrativa híbrida, entre o documentário e a ficção. Emile, jovem recém divorciada, vive com seu filho Martin, que tem cerca de 10 anos, em Los Angeles. Ela é imigrante e passa seus dias entre o trabalho como datilógrafa, os cuidados com o filho e andanças pela cidade. 

A diretora francesa, única mulher integrante da prestigiada nouvelle-vague francesa, parece ter uma câmera acoplada ao seu corpo. Por onde passa, a diretora produz um filme. Documenteur foi realizada durante sua breve estadia em Los Angeles no início da década de 80. Documentário ou ficção, não importa. É o retrato de uma jovem mulher, Emile, em busca de se integrar a um país que finge abrir as portas para todos os sonhadores, sonhos que se desfazem na luta cotidiana. Atenção para a bela imagem de Emile sentada nua na cama. É uma pura imagem de Agnès Varda. 

Documenteur (França, 1981), de Agnès Varda. Com Sabine Mamour (Emile Cooper) e Mathieu Demy (Martin Cooper).