Ficção americana

Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright) é professor universitário e autor de livros desprezados pela crítica e pelo público. Após uma crise no trabalho, ele vai visitar a família em Boston e se vê obrigado a cuidar da mãe que sofre de Alzheimer. Frequentando circuitos literários ele se defronta com autores que considera sem talento algum, mas cujos livros viram best-sellers por retratar a cruel vida dos afrodescendentes nos EUA, explorando o melodrama e a violência. 

Ficção americana foi indicado ao Oscar de Melhor Filme e conquistou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado . A virada de roteiro promove uma forte crítica à indústria editorial americana e à sociedade que se deleita com histórias regadas a violência. Monk escreve um livro sensacionalista, com o pseudônimo de Stagg R. Leigh, uma espécie de piada, segundo ele mesmo, que nunca seria levada a sério. No entanto, o livro é comprado por uma editora e dispara na lista dos mais vendidos. 

O intrigante final eleva a crítica também ao modelo comercial do cinema de Hollywood, colocando em discussão um tema comum no universo editorial e cinematográfico: a luta pela autoria, o conflito entre sucesso comercial e integridade artística. Com leveza e bom humor, Ficção americana é uma surpresa no cinema independente. 

Ficção americana (American fiction, EUA, 2023), de Cord Jefferson. Com Jeffrey Wright, Tracee Ellis Ross, John Ortiz, Erika Alexander, Leslie Uggams, Sterling K. Brown. 

Ondas do destino

Ondas do destino (Dinamarca, 1996), de Lars von Trier.

Bess (Emily Watson) vive em uma pequena comunidade litorânea da Escócia, cuja sociedade segue preceitos religiosos rígidos e ortodoxos. Bess desperta de sua ingenuidade e inocência quando conhece Jan (Stellan Skarsgard), trabalhador de uma plataforma de petróleo no oceano. A paixão entre os dois encaminha um rápido casamento. No entanto, um acidente muda o destino dos protagonistas e Bess é motivada a uma espécie de jornada em busca de uma fé salvadora. 

Ondas do destino faz parte do movimento Dogma 95, fundado por Lars von Trier e Peter Vinterberg. A abordagem realista é intensificada por um estilo visual quase documental, uso de câmera na mão e iluminação natural. A narrativa é dividida em sete capítulos, cada um introduzido por uma vinheta de canções dos anos 70. A relação entre Bess e Jan é o ponto forte da trama, movida a intensas relações sexuais, seja fisicamente ou completamente na imaginação. 

Ondas do destino foi indicado a diversos prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Atriz para Emily Watson. É um filme perturbador, com uma virada de roteiro final que provoca as crenças religiosas. 

Os idiotas

Os idiotas (Dinamarca, 1998), de Lars von Trier.

Em 1995, os cineastas dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg criaram o Dogma 95 através de um manifesto. O movimento surgiu como uma represália às tecnologias digitais que já dominavam parte da cinematografia dominante. O manifesto defendia um cinema puro, sem interferências da pós-produção.

As principais regras do Dogma 95: filmagens em locação, uso de som direto, câmera na mão, somente filmes coloridos, proibição de truques ópticos e filtros, nenhuma ação superficial (assassinatos e usos de armas), a narrativa deve se passar no tempo presente – sem saltos temporais ou espaciais, filmes de gênero não são aceitáveis, o diretor não pode ser creditado e o formato utilizado deve ser 35 mm. Os dois filmes mais famosos do movimento, que durou cerca de 10 anos, são Festa de Família (1998), de Thomas Vinterberg e Os idiotas (1998), de Lars von Trier. 

O diretor dinamarquês concebeu Os idiotas como parte da trilogia Golden Heart, composta também por Ondas do destino (1996) e Dançando no escuro (2000).  A trama é banal e provocativa: um grupo de jovens adultos formam uma comunidade que se dedica a uma prática chamada de “espalhamento”. Os jovens fingem ser deficientes mentais e provocam ações em lugares públicos que chegam ao limite da repulsa. O objetivo é desafiar as normas sociais, impondo a liberdade pessoal.  

O filme foi recebido cercado de polêmicas que variavam entre os elogios pelas inovações técnicas narrativas e as críticas pelo uso apelativo de situações constrangedoras. Atenção para a sequência na casa de Karen (Bodil Jørgensen), durante um almoço em família, quando ela é desafiada a se portar como uma demente.

Elemento de um crime

Elemento de um crime (The Element of Crime, Dinamarca, 1984), de Lars von Trier. 

O primeiro filme de Lars von Trier apresenta uma Europa distópica, filmada em tons sépia queimados, evocando a temática do filme: fragmentos de memória que se confundem na mente do ex-policial Fisher (Michael Elphick) durante a investigação de uma série de crimes, cometidos por um serial killer que executa meninas que vendem bilhetes de loteria. 

O estilo e fotografia noir do filme remetem ao clássico Blade Runner, um dos precursores do estilo neo-noir presente em vários filmes policiais e de ficção contemporâneos. Para investigar os crimes, Fisher se baseia nos métodos de seu mentor Osborne (Esmond Knight), publicados no livro Elementos de um crime.

Durante o desenrolar da trama o espectador se perde nos meandros das mentes perturbadas dos três protagonistas que estão em uma espécie de disputa: Osborne, Kramer (Jerold Wells), o policial chefe da cidade, e Fisher. A Europa decadente, esfacelada, tomada por uma chuva intermitente é o cenário para criminosos sem escrúpulos.