Legião invencível

Legião invencível (She wore a yellow ribbon, EUA, 1949), de John Ford, é o segundo faroeste da Trilogia da Cavalaria, que se completa com Forte Apache (1948) e Rio Grande (1950). O Capitão Nathan Brittles (John Wayne) está a dias de se aposentar quando recebe uma perigosa missão: escoltar a mulher e a sobrinha do comandante do forte em território controlado pelos índios. 

A trama é um tributo de Ford ao exército americano, ressaltando a nobreza do Capitão, os laços emocionais que se criam entre os soldados, com a camaradagem aflorando a cada sequência. O tom de melancolia e saudosismo permeia a trajetória de Nathan – as cenas mais sensíveis do filme acontecem quando o Capitão coloca seu banquinho ao lado do túmulo de sua esposa e conversa com ela. 

A película foi realizada, como de costume nos filmes de Ford, no Monument Valley, com bela fotografia (vencedora do Oscar daquele ano) em Technicolor de Winton C. Hoch. John Wayne, eterno colaborador de Ford, tem uma de suas atuações mais sensíveis e contidas, emanando sentimentos ternos para seus comandados, para as mulheres que escolta, para o velho índio a quem respeita. 

O homem que nunca pecou.

O homem que nunca pecou (The whole town ‘s talking, EUA, 1935), de John Ford. Com Edward G. Robinson, Jean Arthur, Arthur Hobi.

O ponto de destaque deste drama policial de John Ford, resvalando para o humor negro, é o ator Edward G. Robinson, figura tarimbada do gênero noir. Ele interpreta dois personagens: Arthur Ferguson Jones, um pacato (quase O idiota de tão ingênuo, nobre e honesto) funcionário de escritório, é confundido com Killer Mannion,  um notório e cruel gangster que acaba de fugir da prisão. A incrível semelhança entre os dois coloca Arthur na mira da polícia, acarretando sua prisão e uma série de reportagens na imprensa. 

Essa trama simples, de fácil resolução pela polícia, tem uma reviravolta: Mannion se aproveita da semelhança e assume a identidade do funcionário para continuar praticando seus crimes. 

O talento de Robinson no papel duplo se revela a cada momento. Sua face, seu olhar, seu comportamento mudam de forma assustadora. Quando ele é Arthur, a ingenuidade está expressa em olhares, falas e gestos tímidos, o medo dominando . Quando Mannion entra em cena, seu olhar é o próprio terror, por si só uma ameaça à sociedade. A virada final, quando os duplos assumem a identidade um do outro traz um tom de psicanálise à trama, com toques de humor e críticas à sociedade que rotula as pessoas.

Homem morto

Homem morto (Dead man, EUA, 1995), de Jim Jarmusch

Após uma quase interminável viagem de trem, o “almofadinha do leste” William Blake (Johnny Depp) chega a Machine, no Oeste americano, para assumir um cargo de contador. Como demorou muito para chegar, o cargo já havia sido preenchido e, sem dinheiro, Blake passa a noite com uma prostituta. De manhã, o noivo dela aparece no quarto e, após um tiroteio, a prostituta e o noivo morrem. 

O que Blake não sabe é que seu destino está selado: o homem que matou no quarto é filho do empresário que o contrataria, um violento e sádico homem do Oeste. Em sua fuga, Blake encontra Ninguém, um índio culto que viveu na Inglaterra, que se torna seu único aliado. 

“ Este filme de Jim Jarmusch é um ensaio sobre a contemplação, que seduz através da cinematografia em preto-e-branco de Robby Muller (influenciado por Ansel Adams), do violão primorosamente simples de Neil Young e da interpretação delicadamente poética de Depp. (…). Muito da narrativa e violência em Homem morto é monótona e indiferente, em especial o comportamento obstinado, quase catatônio de Cole Wilson (Henriksen), que não chega a ser um matador a sangue-frio, mas um que não tem sangue algum. O silêncio que impregna o grande vazio do Oeste, a bétula prateada deslizando enquanto William cavalga pela floresta, a objetividade de Ninguém à medida que pratica rituais não muito compreensíveis para um homem não muito consciente convergem para uma evocação quase ininteligível de pessoa, lugar e momento. Quando, ao final, Ninguém empurra William para dentro de um grande lago, a canoa-espírito desliza para o outro mundo, uma visão que relembra o rei Arthur, morto, sendo levado para Avalon.”

Homem morto (Dead man, EUA, 1995), de Jim Jarmusch. Com Johnny Depp, Gary Farmer, Lance Henriksen, Michael Wincott, Iggy Pop, Gabriel Byrne, Robert Mitchum. 

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

Trem mistério

Trem mistério (Mystery train, EUA, 1989), de Jim Jarmusch, é composto por três histórias que se entrelaçam em um hotel decadente, em Memphis. Na primeira, um jovem casal japonês chega à cidade e visita Graceland. Eles são fanáticos por rock e querem conhecer tudo sobre o legado musical de Elvis Presley. 

A segunda história acompanha Luísa, uma viúva italiana que, após despachar o caixão do marido para a Itália, se vê sem rumo na cidade. Ela também se hospeda no hotel, dividindo o quarto com uma moradora local. Durante a noite, a italiana é visitada pelo fantasma de Elvis Presley. 

Nesse mesmo hotel, uma gangue de jovens se esconde após praticar um assalto. Johnny, conhecido como Elvis, está em depressão, motivada pelo abandono da namorada. A terceira história é recheada de violência e humor, bem ao estilo Jim Jarmusch. 

As três histórias se passam na mesma noite e os hóspedes são recebidos por uma dupla surreal de porteiros. Trem mistério é uma grande homenagem, recheada de nostalgia, à cultura pop dos EUA, representada por Elvis Presley e por Memphis que carregam, assim como o hotel e seus hóspedes, uma certa decadência.