April

April (Geórgia/França, 2024), de Dea Kulumbegashvili. 

O filme começa com a imagem difusa de uma criatura disforme que se move lentamente, a tela negra, a criatura diminuta ao fundo. Ouve-se o diálogo de duas crianças enquanto a criatura se afasta até desaparecer. Cota para a cena de uma forte chuva, é o alagado mês de abril em uma província da Geórgia. 

A narrativa acompanha Nina (Ia Sukhitashvili,), obstetra que trabalha no único hospital da província. Após a morte do bebê durante um parto, Nina é acusada de negligência pelos pais da criança e passa a ser investigada pela direção do hospital. A investigação pode levar à revelação de uma prática criminosa: Nina faz abortos em mulheres abusadas sexualmente na região. 

O segundo longa-metragem da diretora Dea Kulumbegashvili aborda o conflito entre questões legais, éticas e humanas. Nina é uma profissional reconhecida no mundo médico, mas transita com uma amargura quase suicida pelas ruas enlameadas da província, disposta a ajudar as mulheres que são torturadas pela sociedade misógina e patriarcal.  

Um destaque: em tempos de supremacia digital, o filme foi filmado em 35mm, com a direção de fotografia de Arseni Khachaturian evidenciando o clima de amargura, tristeza e falta de esperança da narrativa. April conquistou o Prêmio Especial do Júri no 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza. 

A última ceia

A última ceia (La ultima cena, Cuba, 1976), de Tomás Gutiérrez Alea. 

Semana Santa, final do século XVIII.  O Conde (Nelson Villagra) visita seu engenho de açúcar e toma uma decisão inusitada: encenar a última ceia, colocando como os apóstolos, doze escravos da propriedade. O ritual começa com o Conde lavando e beijando os pés dos escravos e, a seguir, todos sentam-se à mesa para um fausto banquete. 

Grande parte da narrativa se passa durante a ceia, marcada por longos discursos do Conde, histórias contadas pelos escravos e diálogos quase surrealistas. O fervor religioso do Conde revela sua face cruel e manipuladora: ele usa a religião para justificar a escravidão, o domínio racial dos brancos sobre os negros como uma escolha divina.

O mestre cubano Tomás Gutiérrez Alea expõe de forma cômica e trágica a desumana prática da escravidão, da tortura, mantida e incentivada pelas instituições dos países durante o colonialismo, incluindo a igreja. O terceiro ato, após a rebelião dos escravos, transforma a narrativa quase em um filme de terror, pois o Conde ordena: “quero a cabeça dos doze escravos que se sentaram à minha mesa.”   

Elenco: Nelson Vilagra, Silvano Rey, Luís Alberto Garcia, José Antonio Rodríguez, Samuel Claxton, Mario Balmaseda, Idelfonso Tamayo, Julio Hernandez, Tito Junco, Andrés Cortina, Mirta Ibarra, Manuel Puig.