Este curta-metragem mudo, na verdade um mini filme de cerca de quatro minutos de duração, foi inserido no longa Cléo das 5 às 7. É uma grande homenagem aos primórdios do cinema e conta com uma atração à parte: Jean-Luc Godard como protagonista, ainda sem seus marcantes óculos escuros.
A narrativa segue uma aventura burlesca às margens do Sena, Godard e Anna Karina interpretam um casal que se despede na ponte e um pequeno acidente acontece, de forma repetida, quando a jovem enamorada está de saída. A fotografia em preto e branco, montagem acelerada, interpretações caricatas, é puro cinema mudo, com certeza uma divertida experimentação para os jovens da nouvelle-vague francesa.
Os amantes da Ponte Mac Donald (Les fiancés du Pont Mac Donald, França, 1961), de Agnès Varda. Com Jean-Luc Godard e Anna Karina.
Frédéric está flanando por uma praia na costa da Normandia, França. Ele vê um carro esportivo parado na estrada e se depara com Anne, brincando com um cachorro na praia. Anne volta para o carro e pergunta a Frédéric o caminho para o porto de Le Havre. Ele responde de forma ríspida, afirmando que ela não sabe ler mapas.
Alguns dias depois, os dois voltam a se encontrar na mansão de Charles e Catherine. Anne é casada com Didier que vive de negócios escusos. Frédéric é um estudante de engenharia que não liga para dinheiro e mora temporariamente em um quarto da casa de sua prima Catherine. O grupo de aristocratas e jovens que transitam em torno se completa com a amante de Didier, Barbara.
O diretor Alexandre Astruc foi um dos principais teóricos do cinema francês, seus pensamentos e textos influenciaram a jovem geração de cineastas da nouvelle-vague. Ele considerava o cinema similar à literatura, suas teorias apontavam para o que chamou de “caméra-stylo”. Falava de si mesmo como um “cineasta que escrevia livros ou um escritor que realiza filmes.”
Educação sentimental é sua adaptação do clássico romance de Gustave Flaubert, tratado com tons modernos da Paris dos anos 60. A liberdade de Frédéric e Anne, dois jovens idealistas, retratada na abertura idílica na costa francesa, transita de forma cruel para a sociedade aristocrática à qual eles não pertencem, mas não têm forças para romper com aquelas pessoas frívolas e manipuladoras, cuja única diversão parece ser colecionar amantes. O romance entre os dois caminha para a impossibilidade.
A estrutura circular da narrativa não deixa espaço para o idealismo amoroso. No início, Frédéric vê Anne no porto de Le Havre recebendo seu marido Didier. Ela finge que não nota a presença da amante de seu marido, Barbara. No final, no mesmo porto, Frédéric se despede de Anne, que decide partir para o Canadá com Didier. Didier também finge não notar a presença do amante de sua mulher e os dois se afastam lentamente em direção ao navio.
Educação sentimental (Éducation sentimentale, França, 1962), de Alexandre Astruc. Com Jean-Claude Brialy (Frédéric), Marie-José Nat (Anne), Dawn Addams (Catherine), Pierre Dudan (Charles), Carla Marlier (Barbara), Michel Auclair (Didier).
O filme começa com uma imagem fotográfica do aeroporto de Paris, aviões estacionados na pista. Créditos anunciam “un photo-roman de Chris Marker”.Narração em off determina os rumos da narrativa: “Esta é a história de um homem marcado por uma imagem da infância. A cena que o afligiu por sua violência e cujo sentido ele só compreenderia muito mais tarde teve lugar na grande plataforma de Orly alguns anos antes do começo da Terceira Guerra Mundial.”
Estamos diante de um dos filmes de ficção científica mais surpreendentes e ousados do cinema. Toda a história é contada a partir de fotografias em preto e branco que se sucedem, espécie de experimentação foto novelística de Chris Marker. Muito tempo após a Terceira Guerra Mundial, os humanos vivem em porões e outros ambientes subterrâneos, pois o ar exterior está contaminado pela radioatividade. Um homem é convencido a viajar no tempo, primeiro ao passado, depois ao futuro, em uma tentativa de resgate das memórias da humanidade. Ele foi escolhido por ter fortes imagens mentais, memórias afetivas, que preservariam sua identidade nestas viagens no tempo. O escolhido é a criança que frequentava o aeroporto de Orly aos domingos com os pais e que seria marcado por uma imagem desta infância, a de uma bela mulher na plataforma, seguida da morte de um homem.
A pista influenciou uma série de filmes modernos sobre viagem no tempo com a intenção de reconstruir a história, destacando-se o Exterminador do futuro (1984). O final elíptico e surpreendente também antecede diversos finais de narrativas semelhantes. Para muitos, A pista é o melhor curta-metragem da história do cinema. A beleza etérea das fotografias que se sucedem justifica essa escolha, associada a uma narração poética, reflexiva, sobre o tempo, sobre as memórias, sobre o amor: “Em Orly, aos domingos, os pais levam seus filhos para verem os aviões prestes a partir. Deste domingo, a criança cuja história contamos, reveria por muito tempo o sol fixo, o cenário armado na extremidade da plataforma, e um rosto de mulher. Nada distingue as memórias de outros momentos. Só mais tarde é que se fazem reconhecer, por cicatrizes.”
A pista (La jetée, França, 1962), de Chris Marker. Com Étienne Becker, Jean Négroni, Hélène Chatelain, Davos Hanich, Jacques Ledoux.
Neste curta documental, Éric Rohmer acompanha as andanças de Nadja, jovem estudante de ascendência iugoslava, pelas ruas de Paris. Ela está na cidade para desenvolver sua tese sobre Marcel Proust e suas caminhadas são pontuadas por narração em primeira pessoa, quando ela reflete sobre a cidade, as pessoas.
É claro, Paris é a grande personagem do curta. A câmera passeia ao lado de Nadja por lugares icônicos: a Sorbonne, Quartier Latin, Montparnasse, Belleville, os cafés e parques, além de redutos famosos da cinefilia. É a câmera de Éric Rohmer como um flâneur pela cidade que esteve presente em diversos filmes ao longo de sua carreira, sempre refletida com o charme, a beleza e a sensibilidade próprias do olhar do cineasta.
Nadja em Paris (Nadja à Paris, França, 1964), de Éric Rohmer.
O primeiro longa-metragem dirigido por Eric Rohmer apresenta uma das marcas de seu estilo: personagens que se movem incessantemente pelas ruas das cidades, principalmente Paris.
Pierre acorda, atende o telefone e descobre que herdou um bom dinheiro da sua tia, que acabara de falecer. Liga para os amigos, pede dinheiro emprestado e dá uma grande festa em seu apartamento. Dias depois, descobre que a tia, na verdade o deserdara. Sem emprego, endividado, abandonado pelos amigos a quem sempre recorreu, Pierre vaga de hotel em hotel, sem bagagem, pois precisa abandonar os quartos sempre que cobrado. Quando não consegue mais hospedagem, empreende uma caminhada durante dias pelas ruas de Paris até cair na completa mendicância.
A narrativa é marcada pela bela fotografia em preto e branco; pelos longos silêncios de Pierre enquanto caminha; pela futilidade da boemia das noites parisienses; pela frustração de artistas como o próprio Pierre, um músico, e por outro sem-teto (Jean Le Poulain), um ator que encena trechos caricatos pelas ruas em troca de moedas.
O final, quase milagroso, aponta a redenção de Pierre, mas deixa no ar o grande vazio destes personagens que vivem à margem em cidades como Paris, aparentemente bela e glamourosa.
O signo do leão (Le signe du lion, França, 1959), de Éric Rohmer. Com Jess Hahn (Pierre Wesselrin), Van Doude (Jean-François Santeuil), Michèle Girardon (Dominique),
Este curta experimental foi filmado em 1951 como um filme mudo. Quase dez anos depois, Éric Rohmer resgatou a película e sonorizou a narrativa, com dublagens de Stéphane Audran e Anna Karina, uma das musas da nouvelle-vague. Mas o grande destaque é a participação de Jean-Luc Godard, com 21 anos, interpretando Walter.
Charlotte está esperando o horário do trem e, antes do embarque, vai até seu apartamento para preparar uma refeição rápida. Walter a acompanha e, enquanto Charlotte prepara um bife, fica o tempo todo encostado na parede. Os diálogos são curtos, os gestos se dividem entre a espera pelo bife (cujo tamanho impede de ser dividido entre os dois) e sugestões amorosas.
O curta é mais um exemplo de como jovens realizadores, no caso os ainda críticos da Cahiers Du Cinema, se envolvem em projetos colaborativos, trabalhando com ideias simples e fascinantes.
Charlotte e seu bife (Presentation ou Charlotte et son steak, França, 1960), de Éric Rohmer.
O curta começa com planos fechados de mulheres caminhando pelas ruas, com destaque para livros e pastas em suas mãos. Voz over informa: “No ano acadêmico de 1964/65 houve 123.326 alunas femininas matriculadas nas universidades francesas, representando 43% de todos os alunos universitários. Trinta anos antes, na véspera da Segunda Guerra Mundial, havia apenas 21.136, menos de 30% do corpo estudantil. Atualmente, cada vez mais garotas escolhem entrar para a faculdade, determinadas a acompanhar os garotos o mais rápido possível.”
O documentário, de cerca de dez minutos de duração, acompanha jovens mulheres em seu cotidiano nas universidades, em cafés, sempre com suas pastas e livros nas mãos, no trabalho. A narrativa transita entre universidades de Paris, destaque para a Sorbonne, e escolas nas províncias, demonstrando também o crescente investimento em universidades no interior. Outro ponto que determina a narração e as imagens é o contraponto entre a carreira acadêmica e a vida domiciliar das mulheres.
Éric Rohmer filmou este curta documental em paralelo com sua série Seis contos morais. Um intervalo no retrato ficcional do cotidiano de seus personagens, acompanhando agora jovens mulheres (que tanto marcam seus filmes) em sua vida real.
Une Étudiante D’Aujourd’Hui (França, 1966), de Éric Rohmer.
O segundo filme da série Contos Morais, de Éric Rohmer, é um média-metragem, de cerca de 55 minutos de duração. A narrativa acompanha três jovens parisienses: Bertrand, o narrador da história, seu amigo Guillaume e Suzanne. Os três se conhecem em um café, Guillaume e Suzanne se tornam namorados, vivendo uma relação de conflitos, enquanto Bertrand assiste à relação com um misto de admiração e inveja.
Rohmer filmou A carreira de Suzane com uma câmera 16mm e elenco de atores amadores. As lentes acompanham as andanças dos três jovens e, eventualmente, outros amigos, pelos pequenos apartamentos, e pelas ruas de Paris. O olhar de Rohmer se volta sem escrúpulos para a vida boêmia da juventude, em relações movidas por entregas e abusos, um retrato desta conturbada década em questões sociais e culturais.
A carreira de Suzane (La carrière de Suzanne, França, 1963), de Éric Rohmer. Com Catherine Sée (Suzane), Philippe Beuzen (Bertrand), Christian Charrière (Guillaume), Diane Wilkinson (Sophie).
Este curta-metragem abre a série Contos Morais de Éric Rohmer. Um jovem estudante de direito se sente fascinado por Sylvie, uma mulher que cruza com ele em dias seguidos nas ruas do bairro. Quando Sylvie desaparece, ele passa a frequentar uma padaria, desenvolvendo uma atração pela atendente do estabelecimento.
Érick Rohmer apresenta neste curta as características que vão demarcar seus filmes seguintes, separados por séries temáticas: jovens se encontram nas ruas das cidades, nos bares e cafés, no campo, nas belas praias francesas e desenvolvem relações que oscilam entre a amizade e o romance. Debates, reflexões em primeira pessoa, diálogos, enquanto se movem incessantemente, os personagens de Rohmer conversam, divagam, seguem movidos por questionamentos e relações ao acaso.
A padeira do bairro (La boulangère de Monceau, França, 1963), de Éric Rohmer. Barbet Schroeder, Claudine Soubrier (Jacqueline), Michèle Girardon (Sylvie).
É, talvez, o filme mais polêmico da antológica série Seis Contos Morais, de Éric Rohmer. Jerôme e Aurora, dois amigos de meia-idade, perto dos 40 anos, se reencontram às margens do belo Lago de Annecy. A adolescente Laura se apaixona por Jerôme e Aurora tenta convencer o amigo a se entregar à experiência (ela é escritora e assim teria inspiração para uma história). No entanto, Jerôme começa um jogo de sedução em torno da também adolescente Claire, após ficar completamente fascinado pela visão de seu joelho.
Os debates a respeito de sedução e infidelidade entre Jerôme e Aurora ditam os rumos da narrativa. “Por que me prenderia a uma mulher se outras ainda me enteressassem?”. Diz Jérôme, revelando seu estilo de vida, mesmo estando prestes a se casar com a filha de um embaixador. No entanto, é a sedutora presença de Claire quem domina a película. O fetiche de Jérôme em torno de seus joelhos é simbólico, apresenta um desejo arrebatador e proibido.
O joelho de Claire (Le genou de Claire, França, 1970), de Éric Rohmer. Com Jan Claude Brialy (Jérôme), Aurora Cornu (Aurora), Béatrice Romand (Laura), Laurence de Monaghan (Claire). Michèle Montel (Madame Walter).