Cidade das ilusões

Cidade das ilusões (Fat city, EUA, 1972), de John Huston. Com Stacy Keach (Tully), Jeff Bridges (Ernie), Susan Tyrell (Oma), Candy Clark (Faye), Nicholas Colasanto (Ruben). 

John Huston foi um dos diretores mais “aventureiros” da clássica Hollywood. Entre outras atividades, ele foi marinheiro e boxeador e as filmagens de alguns de seus filmes são repletas de histórias sobre esse jeito de viver perigosamente, principalmente, Uma aventura na África (1951)

Cidade das ilusões, realizado no melhor momento da Nova Hollywood, é um filme intimista, deprimente, corrosivo no tratamento do fracasso individual. O boxeador Tully abandonou os ringues no auge da carreira, entregando-se ao vício do álcool. Mora em um quarto simples e sobrevive em subempregos nas colheitas. Durante um treinamento na academia, Tully conhece Ernie, um jovem talentoso que, com o treinamento certo, pode ser um grande boxeador. Sob a tutela do treinador Ruben, Ernie dá os primeiros passos no ringue, enquanto Tully tenta se colocar em forma e voltar a competir, mas a ilusão e o fracasso rondam a caminhada dele novamente. 

“No final, Tully não se encontra muito ‘livre’ para viver a vida de realizações masculinas, conformado com seu isolamento e fracasso, Huston sugere que não há nenhum caminho fácil para a ‘cidade das ilusões’ e de riqueza que é o sonho americano. Com as suas sequências de boxe autênticas, locações desoladas na Califórnia e uma atuação perfeita e sutil de um conjunto talentoso Cidade da ilusões oferece um retrato realista, porém poético, da obsessão demasiado humana de realizar sonhos irrealizáveis de auto-transformação e transcendência.”

1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

A inocente face do terror

A inocente face do terror (The other, EUA, 1972), de Robert Mulligan, compõe o painel de filmes de thriller psicológico com nuances de terror que dominou o cinema americano dos anos 70. Outra marca recorrente neste gênero é uma criança adorável como pivô de atos de assssinato e terror. 

Em uma pequena cidade do interior, vivem os irmãos gêmeos idênticos, Niles e Holland. Niles é dócil e encantador, mas seu irmão apresenta uma personalidade agressiva, doentia, provocando uma série de mortes na fazenda onde vivem e nos arredores. Desde o início, é possível antecipar a reviravolta da trama, o que torna A inocente face do terror ainda mais assustador. 

O roteiro foi escrito por Tom Tryon, adaptando seu próprio romance. O diretor trabalha com elipses nas principais sequências de morte, não poupando nem mesmo crianças dos atos brutais de Holland. Perto do final, acontece uma das cenas mais aterradoras do cinema, mesmo que não mostrada, invade a mente do espectador. O que se segue também é um ato brutal de punição e tentativa de dar fim ao horror. Mas, como é marca do gênero, a última imagem deixa o final em aberto. 

Elenco: Uta Hagen (Ada), Diana Muldaur (Alexandra), Chris Udvarnoky (Niles Perry), Martin Udvarnoky (Holland Perry). 

Procura insaciável

Procura insaciável (Taking off, EUA, 1917) é o primeiro filme de Milos Forman nos EUA. O jovem diretor deixou a Tchecoslováquia logo após a Primavera de Praga, levando no currículo dois filmes reconhecidos internacionalmente, ambos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro: Os Amores de Uma Loura (1966) e O Baile do Bombeiro (1968).

Em Procura insaciável, Milos Forman mantém o humor de suas obras anteriores, pautadas em críticas sociais e de costumes que marcaram os conturbados anos 60 e 70. O filme começa com uma audição para a formação de um grupo teatral (entre as cantoras  estão duas estreantes que fariam sucesso na sequência: Carly Simon e Katley Battles). A adolescente Jeannie participa da audição e, logo depois, foge de casa. Os pais, então, saem à procura da jovem em vários pontos da cidade. 

“Sendo obrigados, ao tentar descobrir o paradeiro da filha, a sair da segurança de seu mundo suburbano, Henry e Lynn passam a confrontar-se com personagens e situações através dos quais Forman aproveita para exercitar todo o senso de crítica social e o humor ácido que havia caracterizado seus filmes da fase tcheca. Tamanha seria a quantidade de jovens que saía de casa para um mundo que lhe oferecia novas opções de vida, que Procura Insaciável retrata seus pais reunidos em associações através das quais tentavam ‘não somente encontrá-los, mas também entendê-los’. Desta forma, nossos protagonistas passam por uma reunião na qual, em uma hilária sequência, o ator Vincent Schiavelli (uma marca registrada do diretor, aparecendo em quase todos seus filmes desde então) ensina um grupo de pais aparvalhados como confeccionar e fumar um baseado. Doidões, são acompanhados por outro casal à sua casa, em um jogo de strip poker que fatalmente desembocaria em sexo grupal se não fosse a chegada da filha chocada.” – Gilberto Silva Jr. – Contracampo. 

Elenco: Lynn Carlin (Lynn Tyne) , Buck Henry (Larry Tyne), Linnea Heacock (Jeannie Tyne).

Voar é com os pássaros

Voar é com os pássaros (Brewster McCloud, EUA, 1970, de Robert Altman. 

A abertura do filme já demonstra o tom hilário e nonsense que acompanha a narrativa. Uma cantora ensaia o hino nacional americano no estádio de Houston acompanhada dos créditos iniciais. Ela interrompe aos berros a orquestra e ordena que comecem tudo de novo. Os músicos a atendem e os créditos também começam novamente.  

A narrativa, pautada por um ornitólogo que disserta sobre o comportamento dos pássaros em uma sala de aula, acompanha o jovem Brewster McCloud (Bud Cort) que constroi asas mecânicas para realizar o seu sonho: voar. Enquanto isso, uma série de assassinatos por estrangulamento acontece na cidade – as vítimas, segundos antes de serem assassinadas, recebem uma “cagada” de pássaro no rosto. 

Robert Altman realizou Voar é com os pássaros logo depois de Mash (1970), seu mega sucesso. O filme foi mal recebido pela crítica e pelo público, mas se transformou em cult com o tempo. Os assassinatos são puro pretexto, assim como os investigadores, que não chegam a lugar nenhum, para uma série de cenas irreverentes. Atenção para os delírios eróticos de uma jovem debaixo de uma coberta e para o ato que Suzanne (Shelley Duval) pratica logo após vomitar. A essência da fase inicial da Nova Hollywood. 

O comboio do medo

William Friedkin dedicou O comboio do medo (1977) a Henri George-Clouzot, realizador da primeira versão, O salário do medo (1953). Os dois filmes são adaptação do romance escrito por Georges Arnaud. 

Na primeira parte de O comboio do medo, quatro situações acontecem em países diferentes. Nilo assassina friamente um homem em um hotel de Vera Cruz. Kassen participa de um atentado terrorista em Jerusalém. Victor se envolve em uma gigantesca fraude empresarial que resulta no suícidio de seu cunhado. Scanlon dirige um carro durante um assalto fracassado, que termina em um acidente, em Nova Jersey. 

Na segunda parte do filme, os quatro estão foragidos em uma cidade da África, cuja região é controlada por exploradores americanos de petróleo. Quando um dos poços explode, os quatro são contratados para dirigir dois caminhões carregados de explosivos por uma estrada precária. Em troca de dinheiro para deixar o país, devem correr todos os riscos, a dinamite é necessária para apagar o incêndio do poço. 

William Friedkin foi responsável por outros dois grandes filmes da década de 70, quando floresceu a chamada Nova Hollywood: Operação França (1971) e O exorcista (1973). A marca do diretor prevalece em O comboio do medo: thriller recheado de cenas de ação espetaculares, sem desprezar a construção de personagens complexos e envolventes

As sequências dos dois caminhões na estrada são de tirar o fôlego, com destaque para a travessia de uma ponte durante uma tempestade – as madeiras e cordas podem se destruir a qualquer momento com o peso dos caminhões. Os quatro protagonistas arriscam as vidas quilômetro a quilômetro, atormentados por seus passados violentos, esperançosos de retomar a vida longe do inferno político e social onde se aprisionaram. 

O comboio do medo (Sorcerer, EUA, 1977), de William Friedkin. Com Roy Schneider (Jackie Scanlon), Bruno Cremer (Victor Manzon), Francisco Rabal (Nilo), Amidou (Kassen).

Essa pequena é uma parada

Em sua atuação como crítico, Peter Bogdanovich se consagrou com análises sobre o cinema clássico americano, com destaque para um livro e um documentário sobre seus autores favoritos: Orson Welles e John Ford. Essa pequena é uma parada (1977) é seu filme mais referencial desse cinema que o fascinava. A trama é uma mescla da comédia screwball que junta casais atrapalhados em situações nonsense com os thrillers policiais que resultam em perseguições de carros de tirar o fôlego. 

O filme começa com um homem resgatando uma maleta xadrez com documentos secretos. Corta para o musicólogo Howard Bannister entrando em um táxi com uma maleta igual. Corta para Judy caminhando pelas ruas de São Francisco com aparentemente a mesma maleta. Corta para uma senhora entrando em um hotel com outra maleta xadrez. 

Esses personagens, e mais uma série de coadjuvantes atrapalhados, se hospedam no mesmo hotel e no mesmo andar, provocando sequências cômicas de trocas das maletas.  Judy é a principal propulsora de todas as confusões, com suas atitudes irreverentes, debochadas, subversivas, enquanto inicia um romance com o apalermado Howard. 

Tudo termina em uma espetacular e hilária sequência de perseguição de carros a uma bicicleta pelas ruas de São Francisco, bem ao estilo Bullit (1968), com Steve McQueen. Em seu início de carreira como diretor, o crítico Peter Bogdanovich coloca todo o seu conhecimento de cinema a serviço de uma direção primorosa e sensível, deixando seus atores tomarem contas das cenas meticulosamente roteirizadas e planejadas para criar uma das grandes comédias da Nova Hollywood. 

Essa pequena é uma parada (What’s up, Doc?, EUA, 1977), de Peter Bogdanovich. Com Barbra Streisand (Judy), Ryan O’Neal (Howard Bannister), Madeline Kahn (Eunice Burns), Kenneth Mars (Hugh Simon), Austin Pendleton (Frederick Larrabee).

Corrida sem fim

Monte Hellman era um promissor diretor da nascente Nova Hollywood quando realizou Corrida sem fim (1971), filme simbólico de uma geração  que adotou a rebeldia como estilo de vida. Dois jovens, o motorista e o mecânico, percorrem as estradas com um Chevy 55 turbinado, se envolvendo em disputas automobilísticas valendo dinheiro. Dão carona a uma garota também sem rumo. O caminho dos três se cruza nas estradas com o solitário G.T.O. que inventa histórias para seus caroneiros. O motorista e G.T.O. apostam seus próprios carros em uma longa corrida até Washington. 

Como visto, os personagens não têm nome, são representados pelas suas próprias máquinas. As disputas automobilísticas não são o centro da trama, algumas nem mesmo são mostradas. O que interessa a Monte Hellman são os complexos personagens, silenciosos, cujos olhares e ouvidos se dedicam às estradas e aos carros, com a solidariedade entre os competidores se destacando nas corridas. Corrida sem fim, assim como seu famoso predecessor, Easy rider (1969), simboliza essa geração que encontrou nas máquinas um rebelde instrumento de liberdade. 

Corrida sem fim (Two-Lane Blacktop, EUA, 1971), de Monte Hellman. Com James Taylor (O motorista), Warren Oates (G.T.O.), Laurie Bird (A garota), Dennis Wilson (O mecânico).  

Trágico aniversário

São apenas cinco personagens em cena, reclusos dentro de um pequeno apartamento. O pianista Stanley mora na pensão do casal Petey e Meg. Não sai de casa e demonstra um comportamento imprevisível, irascível, sujeito a rompantes de violência verbal. A chegada de dois estranhos que se hospedam na pensão pode provocar o trágico aniversário do título. 

O filme é baseado na peça homônima de Harold Pinter que colaborou no roteiro. Os dois estranhos chegam à cidade à procura de Stanley, que precisa ser eliminado. O motivo nunca é revelado, há apenas uma alusão ao IRA (Exército Republicano Irlandês). 

A direção de William Friedkin utiliza do ambiente claustrofóbico, com ângulos e planos exagerados para aumentar gradativamente a tensão entre os personagens. Os diálogos beiram o surreal, elevando o clima de incompreensão da trama. O final é ainda mais enigmático. Destaque para a atuação de Robert Shaw. 

Trágico aniversário (The birthday party, EUA, 1968), de William Friedkin. Com Robert Shaw (Stanley Webber), Dandy Nichols (Meg), Moultrie Kelsall (Petey), Patrick Magee (McCann), Sydney Tafler (Goldberg). 

Um golpe muito louco

Um golpe muito louco reconstitui o célebre assalto realizado em 1950 à companhia Brink’s de Boston, considerado na época o maior roubo da história dos EUA. O ítalo-americano Tony Pino (Peter Falk) reúne uma trupe de assaltantes de pequeno porte, meio atabalhoados, para executar o assalto. William Friedkin fez uma rigorosa retratação de época, incluindo estudos minuciosos para reproduzir o local do crime. 

O tom da película é o humor, conferindo aos bandidos uma aura de criminosos desastrados que cai no gosto do público. O destaque da película é o elenco, liderado pela interpretação primorosa de  Peter Falk. 

Um golpe muito louco (The Brink’s job, EUA, 1978), de William Friedkin. Com Peter Falk, Peter Boyle, Warren Oates, Gena Rowlands, Allen Garfield, Paul Sorvino, Gerard Murphy, Kevin O’Connor.

Quando o strip-tease começou

Quando o strip-tease começou (The night they raided Minsky’s, EUA, 1968), de William Friedkin.  

Em 1925, Rachel Schpitendavel (Britt Ekland), uma jovem criada em uma comunidade Amish, chega a Nova York, fugindo da dominação religiosa do pai.  O sonho de Rachel é ser dançarina de palco. Ela logo encontra a trupe que se apresenta no teatro burlesco dirigido por Minsky (Elliot Gould). A trupe oferece a Rachel uma apresentação especial à meia-noite, que, na verdade, seria uma farsa para burlar a vigilância repressiva das ligas de decência da cidade. Durante a apresentação, a jovem acaba inventando, por acaso, o strip-tease. 

No início da carreira, William Friedkin assume o tom libertário, provocador e irreverente da Nova Hollywood. Quando o strip-tease começou é uma junção de esquetes cômicas nonsenses, números musicais fragmentados, fotografia que oscila entre o preto e branco e as cores exuberantes. O início do filme é uma bela homenagem ao cinema mudo.