15 de agosto

15 de agosto (Le 15/8, Bélgica, 1973), de Chantal Akerman.

“Esta manhã, tentei ficar bem quieta. Tomei café da manhã na cozinha. Sai e caminhei por horas. Quando voltei, Chantal já havia se levantado. E fiquei na cozinha. Eu ficaria lá. Tive que pegar o mapa e tudo, os endereços das agências e tudo mais. Mas ela me disse para vir aqui e sentar nesta sala.” A narração em off que abre o filme é acompanhada do reflexo da imagem de Chris Myllykoski em um espelho. É agosto e nesse pequeno apartamento em Paris, a atriz passa o filme em um monólogo, refletindo sobre a vida cotidiana composta por pequenos gestos e atitudes. 

Chantal Akerman prenuncia, de certa forma, em 15 de agosto a sua obra-prima Jeanne Dielman (1975), cuja narrativa também é centrada no cotidiano da personagem Jeanne, em seu apartamento. O estilo da diretora é demarcado em 15 de agosto pelos planos longos, fixos, a estética em preto e branco, a câmera ligeiramente à distância deixando espaço para momentos de silêncio e reflexão das personagens. 

A loucura de Almayer

A loucura de Almayer (Almayer ‘s folly, França/Bélgica, 2011), de Chantal Akerman, é uma adaptação do conto de Joseph Conrad. O filme começa com um assassinato. O chinês Chen entra em um bar, onde o jovem cantor Dain está se apresentando com um grupo de dançarinas. Ele sobe no palco e esfaqueia o cantor no coração. Todos correm, menos Nina que continua dançando como se nada tivesse acontecido. 

A narrativa retrocede. O holandês Kaspar Almayer é um comerciante ambicioso que sonha em encontrar uma mina de ouro na Malásia. Vive à beira do rio com sua esposa e sua filha Nina. É a década de 50, a Malásia ainda é colônia da Inglaterra. O Capitão Lingard, explorador e amigo de Almayer, além de padrinho de Nina, chega de barco pelo rio. Contrário à vida de Nina naquele lugar, ele leva a criança à força para um internato, onde terá uma educação europeia. É o início da loucura de Almayer, que não suporta viver longe da filha e fica cada vez mais obcecado com o enriquecimento.

No entanto, o ponto de vista do filme é de Nina, que se rebela cada vez mais com o internato. Na adolescência, ela abandona a escola e começa um romance com o criminoso Dain, que vive foragido em barcos pelo rio. 

“Ao verter a trama para o século XX e voltar-se os olhos para a educação e rebeldia da filha Nina em vez da loucura megalomaníaca do mercador Almayer (o que, talvez, daria num filme de Herzog), a diretora não se detém unicamente no tema civilizatório, mas desnuda um outro tópico que faz pleno sentido dentro de sua obra: a liberdade feminina, sua função crucial no processo histórico e sua potência de rebeldia. Quando sai do colégio europeu que odeia, Nina acende um cigarro como um sinal de confronto; mais adiante, ela foge dos domínios do pai com Naïn não porque ama o príncipe malaio ou porque tem um orgulho ufanista de sua raiz indígena, mas porque odeia tudo que Almayer tentou fazer por ela. No belo plano final, Almayer caminha em direção à câmera que, sábia, já conhece o desenrolar de tudo. Ao parar, ele chora por um longo tempo. Este gesto não é apenas a derrocada do processo de civilização e de catequese, mas, principalmente, de um processo que aprisiona o outro em sonhos de tesouros secretos. E é também este o projeto que criou os conflitos entre chineses e malaios armados nos momentos iniciais.” – Pedro Henrique Ferreira (Cinética).

Elenco: Almayer (Stanislas Merhar), Capitão Lingard (Marc Barbé), Aurora Marion (Nina), Zac Andianas (Dain), Sakhna Oum (Zahiira). 

Jeanne Dielman

Em 2022, a respeitada Revista Sight & Sound atualizou a lista dos 100 melhores filmes da história (publicada de dez em dez anos). Jeanne Dielman (Jeanne Dielman, 23 Quai Du Commerce, 1080, Bruxelles, Bélgica/França, 1975), a obra prima de Chantal Akerman assumiu o topo da lista. 

O filme tem mais de três horas de duração e acompanha três dias na vida da protagonista. Jeanne (Delphine Seyrig) mora com o filho adolescente e, para o sustento, recebe homens durante o dia em seu apartamento. Prepare-se para uma imersão na vida cotidiana: a câmera sempre estática, à distância e ligeiramente baixa (a lá Ozu) acompanha as tarefas da dona de casa na cozinha, na mesa de jantar, tomando banho, limpando o banheiro. Tudo em longos planos, quase sem cortes. É um filme silencioso e perturbador pela duração das cenas. No final, um ato inesperado encerra essa trama sem trama, um primor estético e de linguagem do cinema não-narrativo. 

“Por mais difícil que seja o filme, traz recompensas consideráveis que estão, muitas vezes, inexoravelmente ligadas à sua duração. Por um lado, a tese feminista de Akerman é transmitida com urgência por conta de sua decisão de mostrar a vida de Jeanne em seus mínimos detalhes. Não basta para Akerman sugerir o tédio da existência abnegada de sua protagonista – em vez disso, ao apresentar explicitamente sua insípida rotina em tempo real, Akerman habilmente transmite o vazio sufocante que, no final das contas, é o que impulsiona Jeanne em direção a seu trágico ato final.”

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

Jaime

Jaime (Bélgica, 2022), de Francisco Javier Rodriguez. 

Jaime é um homem de 31, 32 anos (ele alterna sua idade) que passou grande parte da vida em uma instituição psiquiátrica, após incendiar a própria casa. Ele despeja para a câmera, em uma conversa presumivelmente com um entrevistador, seus pensamentos e desejos confusos, versando sobre Deus, a mãe que o espancava quando criança, os cachorros, super poderes que possui…

O premiado média-metragem de Francisco Javier Rodriguez é um retrato inquietante da mente do protagonista que transita indistintamente entre imaginação e realidade, entre falas e pensamentos que se concretizam para o espectador. Com um soberba atuação de Guy Dessent, o inesperado final confunde mais ainda o espectador, abrindo as brechas para as surpreendentes revelações da mente humana. 

Perseguidos pelo destino

A narrativa se baseia em uma premissa tradicional no cinema que ficou eternizada em clássicos como Pacto de sangue e Bonnie e Clyde: casal formado por personagens sedutores e glamourosos que habitam o universo do crime. 

Em Perseguidos pelo destino, o jovem assaltante de bancos Gigi se apaixona por Bibi, uma extravagante e glamourosa piloto de competição automobilística. A jornada dos dois é uma entrega veloz e frenética à paixão, ao sexo, às emoções, ao perigo incessante. Gigi promete a Bibi um último golpe, pois tem uma dívida com os outros membros da gangue, seus amigos da adolescência delinquente. Tudo dá errado e acontece uma fascinante inversão de valores, com direito a decisões surpreendentes. O casal de protagonistas é a grande atração da película, desfilam charme e erotismo pela tela, enquanto caminham por estradas perigosas, movidos pela velocidade. 

Perseguido pelo destino (Le fidèle, Bélgica, 2017), de Michael R. Roskam. Com Matthias Schoenaerts (Gigi), Adèle Exarchopoulos (Bibi), Eric De Staercke (Freddy), Jean-Benoit Ugeux (Serge).