Doce substituta

Doce substituta (The Sweet Substitute, Canadá, 1964), de Larry Kent. 

A abertura denuncia o estilo irreverente da seminal obra de Larry Kent: cenas urbanas de carros, prédios, bares; os jovens protagonistas jogando fliperama, acenando para garotas através das vitrines de lojas, perseguindo outras pelas ruas. As cenas fragmentadas, com fotografia obscura, planos e ângulos distorcidos também denunciam a principal referência para o diretor canadense: a nouvelle vague francesa. 

Tom (Bob Howay) está no último ano do ensino médio e estuda para ganhar uma bolsa para a universidade. Passa os dias com um grupo de três amigos e saem à noite em busca de relacionamentos – o pulsar da sexualidade entre meninos e meninas que aspiram a liberdade dos anos 60 é o grande tema do filme. Tom namora Elaine (Angela Gann), os encontros cada vez mais atrevidos se sucedem, e acaba se entregando ao prazer com Kathy (Carol Pastinsky), considerada sem encantos,  com quem divide longas horas de estudos. 

O segundo filme de Larry Kent é também o segundo da Trilogia de Vancouver do diretor, cujas abordagens transitam pelo tédio e pela busca de prazer da juventude que vive na cidade. Clamor do sexo (1961), de Elia Kazan, foi uma espécie de precursor para estas ousadas narrativas dos anos 60: jovens que explodem de desejo mas ainda se sentem reprimidos, presos aos valores morais da sociedade. 

A sequência de Tom e seus amigos confrontando Kate, após uma revelação que pode mudar a vida do estudante, é o retrato contraditório e cruel dessa geração masculina que prega a libertação, mas preserva a crueldade como forma de dominação. 

Quando o amanhã morre

Quando o amanhã morre (When tomorrow dies, Canadá, 1965), de Larry Kent.

Gwen James (Patricia Gage)  é uma dona de casa, mãe de duas filhas. Mora em uma casa com piscina, dirige um carro conversível, vive em uma dependência confortável de Doug, seu marido, um contador de sucesso – ele paga, inclusive, a internação do pai de Gwen em uma casa de idosos. No entanto, a frustração e a amargura tomam conta dos dias de Gwen até que ela se rebela contra o comportamento machista e possessivo de Doug. 

Quando o amanhã morre fecha a Trilogia de Vancouver do diretor indie Larry Kent. A narrativa, com um forte teor feminista, acompanha a protagonista em sua tentativa de se libertar do tédio. Gwen se matricula em uma universidade, passa a frequentar as festas da escola e se envolve cada vez mais com Patrick (Neil Dainard), seu professor de literatura. 

O estilo alterna entre a fragmentação e planos longos, com destaque para imagens que destacam, com sensibilidade, o desenvolvimento de Gwen, cuja beleza floresce à medida que se entrega à liberdade. As cenas amorosas de Gwen e Patrick em uma ilha fascinam pela leveza estética, o uso de câmera lenta em alguns momentos e a fotografia deslumbrante de perfis de corpos contemplando o mar. Um filme corajoso, sensível e belo.

Uma vida amarga

Uma vida amarga (The bitter ash, Canadá, 1963), de Larry Kent.

Des (Alan Scarfe) é um jovem amargurado que se sente sem perspectivas em seu trabalho monótono e no relacionamento com a namorada, possivelmente grávida. Ao visitar um amigo com leucemia, ele conhece Laurie (Lynn Stewart), jovem também ressentida com sua vida: tem um filho e trabalha como garçonete para sustentar Collie (Philip Brown), seu marido, que sonha em ser dramaturgo. 

São vidas amargas: Des se volta contra a sociedade, despeja sua ira nas pessoas próximas. Laurie revela em um diálogo tenso sua tentativa de suicídio. Collie parece alheio a tudo, preocupado apenas com sua carreira fracassada no teatro. 

O filme levantou polêmicas na época do lançamento devido ao seu conteúdo abertamente sexual, com diálogos explícitos na busca pelo prazer. A longa sequência da festa na casa de Laurie coloca um grupo de jovens “beatniks”, vivendo uma noite regada a álcool, drogas e sexo. A agressiva cena de sexo entre Des e Laurie é um marco desse cinema radical dos anos 60 – Uma vida amarga não foi exibido nos cinemas, mas fez um sucesso estrondoso entre a juventude, que assistia ao filme nas universidades.  

Atenção para a cena da mãe de Laurie, também frustrada com o casamento, bebendo e observando um jovem de short lavando o carro em frente a sua casa. Com um sorriso sarcástico, sua voz interior revela o desejo de fazer sexo com aquele homem. 

Four unloved women, adrift on a purposeless sea, experience the ecstasy of dissection

Four unloved women, adrift on a purposeless sea, experience the ecstasy of dissection (Candá, 2023), de David Cronenberg. 

O curta tem pouco mais de quatro minutos intensos e provocativos. A câmera caminha rende a água do mar, vislumbrando corpos femininos deitados ao sol. Sobe pelas pernas bronzeadas até revelar figuras de cera com as barrigas abertas, órgãos expostos, vísceras se confundindo com a beleza das mulheres de David Cronenberg. 

A trilha sonora envolvente acirra ainda mais a sensação mista de erotismo e horror. O diretor canandense faz uma espécie de releitura de seu próprio filme, Crimes do futuro (2023), buscando inspiração nas esculturas renascentistas do século XVIII. A narrativa visual deixa reflexões sobre a exposição de corpos no mundo contemporâneo. Reflexões perigosas. 

Verão 2000

Verão 2000 (Été 2000, Canadá, 2023), de Virginie Nolin e Laurence Olivier. 

Durante um final de semana no verão de 2000, a adolescente Raphaella tem que cuidar da filha do namorado de sua mãe, Sarah, de 9 anos. Raphaella pratica skate com um grupo de amigos, incluindo Sam, com quem mantém um relacionamento amoroso. Poderia ser um final de semana de verão como tantos adolescentes anseiam, longe dos pais, com o tempo só para eles. Mas as coisas se complicam quando uma suspeita recai sobre o irmão mais novo de Sam. 

O ponto de vista da narrativa é o de Sarah, que passa o tempo com uma câmera de vídeo. O olhar doce e infantil de Sarah passa por uma descoberta. A dupla de diretores trata deste momento difícil que envolve questões de relacionamento e consentimento com sensibilidade, sem deixar de alertar para as consequências. 

Elenco: Jeana Arseneau, Millie-Jeanne Drouin, William St-Louis, Dylan Walsh. 

Estrela cadente

Estrela cadente (Comme une comète, Canadá, 2020), de Ariane Louise-Seize. Com Marguerite Bouchard (Chloé), Patrick Hivon (Christopher), Whitney Lafleur (Nathalie).

Chloé é uma adolescente retraída que passa por uma fase introspectiva. Nathalie, sua mãe, ao contrário é irreverente e descontraída, aproveitando com intensidade e atrevimento seu namoro com Christopher. Os três fazem uma viagem para o litoral com intenção de observar as estrelas. A jornada de Chloé durante o passeio a leva a uma descoberta fascinante e perigosa: ela se sente atraída pelo namorado da mãe. 

O filme da diretora canadense foi premiado em festivais, incluindo Melhor Curta-Metragem Canadense no prestigiado Festival de Cinema de Whistler. A narrativa aborda essa perigosa fase da adolescência com sensibilidade e ousadia. A história é narrada pela adolescente que passa os dias desenhando (imagens que resvalam para o erotismo). Ela começa relembrando: “você deixou o carro velho na nossa garagem, aquele do nosso final de semana na praia, quando tudo começou e terminou ao mesmo tempo.” A cena em que Chloé e Christopher estão deitados, rostos quase colados, observando o céu noturno, encanta, fascina e provoca.

Fazendo um bebê

Fazendo um bebê (Faire un enfant, Canadá, 2023), de Eric K. Boulianne.

O filme abre com uma ousada e divertida cena de sexo. Depois de ejacular, Lui (Éric K. Boulianne), pede a sua jovem esposa Elle (Florence Blain Mbaye) que fique com as pernas esticadas para cima. Ela pergunta “até quando vou ficar assim” e ouve a resposta: “não sei, até quando engravidar.”

O casal resolveu ter um filho e passa os dias praticando sexo, às vezes até a exaustão, e de diversas formas diferentes. A gravidez não acontece e as tentativas acabam minando o relacionamento de Lui e Elle. 

O tom de humor e erotismo percorre a narrativa neste curta realizado pelo ator, roteirista e diretor canadense Eric K. Boulianne. O final inusitado reforça o bom humor desta obra também dramática. 

Nu

Nu (Canadá, 2022), de Olivier Labonté LeMoyne. Com Étienne Galloy e Roxane Tremblay-Marcotte. 

A premissa do curta de terror do diretor canadense segue o clichê básico do gênero: um casal de namorados, durante um passeio de carro, procura um lugar ermo, em uma floresta, para uma noite de sexo. Trafegam durante um longo tempo, sempre inquietos com o isolamento provocado pela densa floresta e pela escuridão. Quando encontram um local e o erotismo toma conta da tela, aparições momentâneas do lado de fora assombram o casal. 

Uma das grandes características do cinema de gênero é não se rebelar contra as convenções. Nu segue a cartilha mas fascina (de uma maneira provocante) com o jogo erótico entre dois jovens que se entregam aos seus instintos. As consequências, bem, coloque dois jovens sozinhos em um bosque em um filme de terror. 

Não chore na mesa de jantar

Não chore na mesa de jantar (No crying at the dinner table, Canadá, 2019), de Carol Nguyen. Com Thao Nguyen, Ngoc Nguyen, Michelle Nguyen. 

O filme abre em plano fechado dos três membros da família de Carol Nguyen em uma pequena mesa de cozinha. A diretora explica a eles em off:, Mamãe, papai e Michelle (sua irmã). Na quinta-feira, cada um de vocês fez entrevistas individuais. Quando vocês concordarem em fazer este projeto, todos sabiam que todos ouviremos as entrevistas da nossa família.  Mas hoje quero reproduzir as entrevistas para vocês. Então, vamos ouvir.”

A abertura revela o tom intimista, corajoso e desafiador do documentário. Em uma mesa de jantar, os três vão se defrontar com lembranças, revelações simples de uma família que provocam o emocional. 

Neste ano de 2019, Carol Nguyen teve dois filmes  incluídos na lista dos dez melhores curtas do Canadá: Nanitic e Não chore na mesa de jantar

Delphine

Delphine (Canadá, 2019), de Chloé Robichaud, é narrado por Nicole, já adulta. Ela lembra de suas experiências na infância quando estudou em uma escola particular em Ville Saint-Laurent: “A minha mãe me mandou para lá porque os primos também foram para lá. É reconfortante para pais imigrantes saber que os seus filhos frequentam escolas particulares com os primos. Foi lá que conheci Delphine.”

Delphine é uma criança libanesa que acabara de se mudar para o Canadá. Segundo Nicole, ela ainda não falava francês e dizia “sim” para tudo. As outras crianças da escola praticam bullying com Delphine, dizendo coisas como “você fede a cogumelo”, se divertindo quando ela diz “sim”. 

O curta-metragem é um olhar cruel, sincero e sensível sobre o preconceito, o pesadelo que atitudes de bullying podem transformar a vida de uma criança. A sensibilidade de Nicole a coloca ao lado de Delphine, que se torna cada vez mais introspectiva. As atuações das estrelas infantis Daria Oliel-Sabbag (Delphine) e Ines Feghouli Bozon (Nicole) – que depois vão ser representadas por outras atrizes na adolescência – conferem à narrativa esse olhar doce, compreensível, que se transforma em colaboração mútua entre crianças e adolescentes.

Nathalie Doummar, roteirista, adaptou sua própria peça teatral Delphine de Ville Saint-Laurent. A película estreou no Festival de Cinema de Veneza e ganhou o prêmio de melhor curta-metragem do Festival Internacional de Cinema de Toronto. Entrou, ainda, para a lista anual dos dez melhores curtas  do Canadá, país que, tradicionalmente, incentiva a produção de filmes neste formato.